segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Menino de Engenho


Segunda leitura do Projeto José Lins, "Menino de Engenho" é um dos clássicos da literatura brasileira e um dos livros mais importantes da obra de José Lins do Rego. Foi escrito em 1932 e sua primeira edição foi publicada pelo próprio autor, que com ela ganhou o Prêmio Graça Aranha e depois isso não parou mais de ter seus livros publicados.

É importante tomar conhecimento de alguns dados sobre a vida de José Lins para ver com outros olhos os seus livros. José Lins nasceu em 3 de junho de 1901 no engenho Corredor, município do Pilar, no estado da Paraíba. No ano do seu nascimento ficou órfão de mãe e seu pai foi viver em outro engenho. Foi levado então para o engenho do avô, onde cresceu aos cuidados de sua tia Maria. A experiência de ter crescido no engenho, com a figura patriarcal do avô, aos cuidados de sua tia, que ele considerava uma segunda mãe, marcaram para sempre a vida de José Lins, e isso se reflete muito em sua obra.

Em Menino de Engenho temos a história de Carlinhos, que perdeu sua mãe quando era criança em uma briga com o pai, que cometeu um crime passional, cujos motivos não são explicados. O menino Carlinhos é levado então para o engenho do avô, onde cresce junto com os moleques da região, aos cuidados da irmã de sua mãe, sua tia Maria. Carlinhos é tratado com distinção por ser neto do coronel e também por ser órfão. Através de suas lembranças de infância, de uma época em que descobria muito cedo as coisas do mundo, sempre marcado pela melancolia de ter perdido a mãe e de estar sozinho, é que temos um retrato social de uma época ainda marcada pela escravatura, pela dominação dos senhores de engenho.

Carlinhos cresce entre as negras que trabalhavam na senzala, mesmo depois da abolição. Nesse sentido, o livro mostra claramente com os negros continuaram a ser explorados por não terem oportunidade de sair dali. Como podemos ver nesses trechos sobre as negras do engenho, um relato triste sobre a condição da mulher e sobre os abusos que sofriam muitas vezes dos próprios senhores e seus filhos, e dos homens do engenho:

"As suas filhas e netas iam-lhes sucedendo na servidão, com o mesmo amor à casa-grande e a mesma passividade de bons animais domésticos".
"Não conheci marido de nenhuma, e no entanto viviam de barriga enorme, perpetuando a espécie sem previdência e sem medo".

O menino de engenho cresce ouvindo histórias, como as da velha Totônia, uma negra que visitava o engenho e que teve um papel importante em estimular o gosto pelas histórias em Carlinhos:

"As suas histórias para mim valiam tudo"...."Havia sempre rei e rainha, nos seus contos, e forca e adivinhações. E muito da vida, com suas maldades e as suas grandezas, a gente encontrava naqueles heróis e naqueles intrigantes, que eram sempre castigados com mortes horríveis. O que fazia a velha Totônia mais curiosa era a cor local que ela punha nos seus descritivos."

Histórias que marcaram tanto sua vida que precisaram ser recontadas em Histórias da Velha Totônia, livro de 1936. As histórias do avô sobre o engenho também marcaram a infância de Carlinhos e ajudam a construir esse relato da época dos engenhos de açúcar, que no período já começam a dar sinais de decadência. 

"Estas histórias do meu avô me prendiam a atenção de um modo bem diferente daquelas da velha Totonha. Não apelavam para a minha imaginação, para o fantástico. Não tinham a solução milagrosa das outras. Puros fatos diversos, mas que se gravavam na minha memória como incidentes que eu tivesse assistido. Era uma obra de cronista bulindo de realidade."

A escrita de José Lins tem um tom de nostalgia, uma característica também do menino Carlinhos:

"Era um menino triste. Gostava de saltar com os meus primos e fazer tudo o que eles faziam. Metia-me com os moleques por toda parte. Mas, no fundo, era um menino triste. Às vezes dava para pensar comigo mesmo, e solitário andava por debaixo das árvores da horta, ouvindo sozinho a cantoria dos pássaros."

Acompanhamos suas aventuras no dia a dia da produção de açúcar, seu primeiro amor por uma prima que passa o verão no engenho e que parte seu coração quando vai embora, tudo isso contado com a ingenuidade de uma olhar de criança; seu sofrimento é retratado quando a tia Maria se casa e vai embora do engenho, marcando sua vida outra vez com a perda de uma mãe (e pelos artigos que li, a morte da tia de José Lins o deixou muito abalado na vida real). O casamento da tia mostra também como as mulheres não tinham a liberdade de escolha, sendo que seu único destino era o casamento.

Esse livro é uma aula de história do Brasil, mas uma aula muito gostosa de se ler, porque a escrita de José Lins tem esse tom confessional, como se estivéssemos mesmo ouvindo suas memórias de infância. Infância essa que acaba muito cedo, aos doze anos de idade quando o menino Carlinhos vai para o colégio estudar. Menino de Engenho é um livro comovente, que permite uma infinidade de reflexões sobre questões sociais importantes de uma época de nossa história. Relê-lo hoje, quase 18 dezoito anos depois de minha primeira leitura ainda na escola, foi uma redescoberta maravilhosa de um texto bem escrito, repleto de regionalismos e muito rico, que eu espero que ainda seja lido nas escolas. Não deixem de ler Menino de Engenho.

José Lins do Rego. Menino de Engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. 104ª edição. 

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