"A Casa dos Náufragos", do escritor cubano Guillermo Rosales, é considerado um marco da literatura hispano-americana do século XX, apesar de seu reconhecimento tardio (decorrente da primeira tradução para o Inglês, que só ocorreu no ano 2000), sendo pouco conhecido até por estudiosos da literatura cubana. O livro conta a história do escrtitor William Figueras, um exilado cubano, internado pela família em uma instituição psiquiátrica nos Estados Unidos por sofrer alucinações auditivas episódicas. O asilo para onde foi levado é destinado a inválidos e incapacitados mentais, conhecidos como boarding homes.
E é nessa boarding home que o autor traça o processo de desumanização gradual dos seus personagens, que vão naufragando a cada dia, a cada página da história, na degradante miséria humana. Um lugar decrépito, sujo, violento, impróprio para se viver, que é administrado pelo proprietário, um burguês que rouba todo o dinheiro dos internos sem lhes oferecer o mínimo devido, e um zelador que comete todo o tipo de abusos com pessoas que não tem como se defender, ou que já não acreditam que possam se defender.
O narrador, que aparentemente está em posição privilegiada em relação aos outros detentos por não estar louco, acaba por aumentar seu sofrimento e sua angústia com isso, já que é testemunha do que acontece ao seu redor e tem consciência de sua própria decadência:
"Este é meu fim. Eu, que li Proust completo quando tinha quinze anos, Joyce, Miller, Sartre, Hemingway, Scott Fitzgerald, Albee, Ionesco, Beckett. Que vivi vinte anos dentro de uma revolução sendo carrasco, testemunha, vítima".
Temos no livro um personagem que se situa no presente como um náufrago, que nem pertence ao território em que habita, nem sente falta do que abandonou: "Não sou um exilado político, sou um exilado total". A narrativa rápida, intensa, porém precisa, faz com que o leitor sinta essa mesma angústia, essa mesma desesperança. No dizer de Ivette Leyva Martínez, autora do posfácio que acompanha o livro: "é uma viagem aos rincões mais sombrios da condição humana, e poucos permanecerão indiferentes a essa visão. Humilhações, sujeira, fedor e abusos físicos constituem o cenário onde o protagonista passa seus dias." (pág. 106). Mais que um livro sobre o exílio, A Casa dos Náufragos é um livro sobre a desumanização de pessoas com problemas mentais, e também sobre a crueldade de quem ainda explora essa situação.
Este é um romance de forte viés autobiográfico pois o escritor Guillermo Rosalles também deixou Havana e mudou-se para Miami em 1979, onde permaneceu até sua morte, em 1993. Participou do círculo de intelectuais cubanos que se transferiu para os Estados Unidos na mesma época, tendo sido premiado com o voto de Octavio Paz em um concurso literário local, uma de suas poucas alegriaa. Destruiu a maior parte de sua obra, e em vida só publicou este único romance, A casa dos náufragos, em 1987. Esteve internado em diversas instituições psiquiátricas, asilos (as chamadas boarding homes) em Miami, pois sofria de esquizofrenia. Morreu aos 47 anos, pobre, sozinho e esquecido, visitado apenas por poucos amigos, que acompanharam seu processo de destruição até os últimos dias. Um daqueles livros realmente angustiantes.
Guillermo Rosales. A casa dos náufragos. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 125 páginas. Tradução: Eduardo Brandão.
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