domingo, 29 de setembro de 2013

Para não perder a ternura

Valter Hugo Mãe inquieta-se no seu novo livro

Desde que eu li O Filho de Mil Homens que me encantei pela escrita do Valter Hugo Mãe. Poético, intenso, imensamente humano. Cada livro é uma aventura poética, que provoca em nós a reflexão sobre temas importantes da vida. Tive a sorte de conhecer a escrita de Valter Hugo Mãe lendo O Filho de Mil Homens, que é meu grande favorito. Depois dele nenhum outro livro chegou tão perto do meu coração. Por tudo isso, a expectativa em relação ao novo romance, A Desumanização, que acaba de ser lançado em Portugal (com previsão de lançamento aqui no Brasil para o início de 2014) era das maiores. E o livro não me decepcionou. Continuou sendo essa leitura que instiga e que é por si só uma aventura.

Mas A Desumanização não é um livro fácil, que possibilite aquela leitura corriqueira e despretensiosa. Estava tão ansiosa para ler o livro que ele foi devorado tão logo chegou às minhas mãos. E apesar de ter gostado muito da leitura, terminei de ler com a sensação de quero mais, de quero outra vez, porque eu fui rápida demais. Então comecei a ler novamente. Sem pressa. Apreciando a linguagem como esse livro deve ser lido. E senti a necessidade de reescrever esse comentário sobre o livro.

A linguagem poética de Valter Hugo Mãe parece emergir dessa Islândia onde a natureza é tão forte, onde a solidão é tão grande. Sim, o livro fala de solidão, mas não só sobre isso. Fala de amor, de perdas, de luto, de relações familiares, e muitas outras coisas. E contando a história de uma menina que perde a sua irmã gêmea quando criança, nessa Islândia que passamos a imaginar pelas descrições como um lugar talvez difícil de se viver (uma representação do mundo de hoje?), onde as pessoas vão perdendo a sensibilidade para conseguir continuar vivendo diante de ações e sentimentos cada vez mais desumanos. A decadência da família de Halla é contada, e todo o sofrimento que a perda de sua irmã gêmea vai acarretar na vida das personagens é o fio condutor da história. Temos uma criança perdendo sua inocência e lutando para manter sua individualidade, e é bem chocante a figura materna nessa história, que não se conforma com a dor de perder uma filha, e que acaba por se tornar uma pessoa muito cruel pelo sofrimento. A filha que sobrevive será sempre a lembrança da que morreu. A solidão na dor e na ausência, por parte da mãe, e a solidão imensa da filha que fica "órfã" de mãe em vida e que perde sua metade, sua irmã. 

Um homem não é independente a menos que tenha a coragem de estar sozinho”, essa frase de Halldór Laxness, é a epígrafe do livro e a inspiração para o nome da personagem principal, Halldora, uma menina de 11 anos. É muito interessante ver a capacidade do autor de dar voz a essa personagem, narrando os sentimentos dessa menina, que ao longo do livro vai se tornando mulher, enfrentando todas as mudanças e descobertas que uma menina entrando na adolescência vai vivenciar.

Em A Desumanização, a figura paterna ganha força na história como ponto de equilíbrio diante da crueldade da figura materna. É o pai de Halla que traz a poesia e a literatura para a vida da filha e com isso ambos ganham uma dose extra de força para sobreviver aos desencantos:

"Os poemas, dizia o meu pai, podem ser completos como muito do tempo e do espaço. Podem ser verdadeiramente lugares dentro dos quais passamos a viver".

"O meu pai desentristeceu-me. Prometeu que leríamos um livro. Os livros eram ladrões. Roubavam-nos do que nos acontecia. Mas também eram generosos. Ofereciam-nos o que não nos acontecia".

Continuo achando que Valter Hugo Mãe é um dos escritores contemporâneos que devem ser lidos, porque em todos os livros dele terminamos a leitura refletindo sobre algo relevante. É sempre difícil terminar de ler um livro dele e dizer alguma coisa a respeito, pelo menos é assim que eu me sinto. É como se precisássemos de silêncio para que toda essa realidade dolorosa dos temas que ele aborda possa ser absorvida. E se essa não é a literatura que transforma, então eu não sei mais o que é. Creio que foi em O Filho de Mil Homens que o autor nos deu uma pequena permissão para sonhar, pois nos outros livros, e em A Desumanização não é diferente, por mais doloroso que nos seja, (por mais doloroso que seja para o autor também, como ele mesmo afirmou em entrevistas) a vida não perdoa os personagens. E nem todo leitor está preparado para esse tipo de leitura. Eu já espero ansiosamente pelo próximo livro do Valter Hugo Mãe.

Valter Hugo Mãe. A Desumanização. Portugal: Porto Editora, 2013. 252 páginas

O inferno não são os outros, pequena Halla. Eles são o paraíso, porque um homem sozinho é apenas um animal. A humanidade começa nos que te rodeiam, e não exatamente em ti. Ser-se pessoa implica a tua mãe, as nossas pessoas, um desconhecido ou a sua expectativa. Sem ninguém no presente nem no futuro, o indivíduo pensa tão sem razão quanto pensam os peixes. Dura pelo engenho que tiver e perece como um atributo indiferenciado do planeta. Perece como uma coisa qualquer.” ...”Aprender a solidão não é senão capacitarmo-nos do que representamos entre todos.”

Link para uma entrevista do autor sobre A Desumanização: clique aqui

Link para o vídeo do autor apresentando o livro:


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Para acordar com os Ipês



Para acordar com Ipês não é preciso muitas horas de sono, nem que o sono tenha sido aquele que consideramos ideal. Não se preocupe se você não dormiu a noite inteira. É importante, contudo, que se sonhe com alguém que a gente ama ou já amou (e visto que a medida exata do amor nunca é algo fácil de se precisar, que seja pelo menos alguém que soube ou sabe lhe fazer sorrir).

Para acordar com Ipês é preciso que o despertar seja leve, de preferência com um cheiro de café fresco vindo da cozinha, feito com amor, para que a alma desperte (ela pode ainda querer continuar o sonho). É importante não se exceder: apenas uma xícara de café para nos alimentar com a energia necessária para acordar com os Ipês.

Há que se abrir as janelas com o coração repleto de pensamentos bons, com o desejo mais sincero de dias de sol e tardes de primavera, um pouco de chuva também, mas na medida certa. É importante caminhar descalço, sentindo o chão sob os pés em um contato íntimo com a terra, terra que nos sustenta e nos protege. Sentir os pés na grama e na terra, ainda que um pouco seca, é quase que um requisito indispensável para ver os ipês. É a terra que nos lembra onde estamos, onde nascemos, e aonde pertencemos.

Para acordar com os ipês é preciso ter a alma limpa de dores e dúvidas, há que se esquecer de tudo que nos aflige. É preciso caminhar lento, com tranquilidade, não há por que ter pressa, não queremos derrubar as flores. Os ipês são tão delicados quanto os sonhos bons que não queremos que terminem com o raiar do dia: podem se desfazer com o vento. O ideal é evitar pensamentos e ter em mente apenas a brancura suave das flores.

Se você já teve a sorte de acordar com os ipês sabe que eles são um lembrete de que tudo é efêmero e transitório; estamos aqui de passagem e a beleza grandiosa da vida está ali, ao nosso alcance. É só abrir as janelas. E acordar com os ipês.

Brasília, 26 de setembro de 2013.
*Na foto, os ipês vistos da minha janela e que inspiraram esse texto.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Biblioteca.


Um pedacinho da minha biblioteca.

"Os livros, esses animais opacos por fora, essas donzelas. Os livros caem do céu, fazem grandes linhas rectas e, ao atingir o chão, explodem em silêncio. Tudo neles é absoluto, até as contradições em que tropeçam. E estão lá, aqui, a olhar-nos de todos os lados, a hipnotizar-nos por telepatia. Devemos-lhes tanto, até a loucura, até os pesadelos, até a esperança em todas as suas formas."

José Luís Peixoto, in Abraço

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Doce Gabito

Ando com muita vontade de reler alguns livros, principalmente Cem anos de solidão, que já foi lido duas vezes, mas que é um daqueles livros que podemos ler pela vida inteira, certos de que cada leitura será única e desvendará um universo novo, que não tinha sido percebido na primeira vez. 

Bom, isso tudo não é só para dizer que me rendi à nova edição de Cem Anos de Solidão que encontrei na livraria, porque achei que Gabo merecia um exemplar novo na minha estante. A minha edição surradinha, cheia de anotações minhas e de minha irmã, vai ficar de lembrança. Temos afeto por ela. É parte de nossa história. 

Então me lembrei do segundo livro de Francisco Azevedo que estava na minha estante esperando para ser lido desde o ano passado e, veja só, ele fala muito de Gabriel Garcia Márquez e Cem anos de solidão. Na verdade, a narradora da história, Gabriela Garcia Márquez, tem Gabo como amigo imaginário e anjo guardião. No decorrer da história, personagens do clássico colombiano aparecerão no enredo e interferirão no destino da menina Gabriela.


Já tinha mencionado o escritor Francisco Azevedo aqui no blog quando comentei sobre o livro O Arroz de Palma, que me conquistou não apenas pela capa linda, mas pela doçura e sensibilidade do texto. Nele Francisco Azevedo fala de família de um jeito que nos transporta para o nosso próprio universo familiar, para nossas próprias lembranças.

Foi com uma expectativa bem maior que encontrei Doce Gabito, que dessa vez prometia falar de uma paixão que compartilhamos: a literatura. E de como nossa capacidade de imaginação torna a vida diferente. E como a literatura interfere diretamente no universo real em que vivemos.

A narrativa continua sendo poética, com frases curtas e sutis, mas que dizem muito. É como se estivéssemos sentados ao lado do escritor, bebericando uma xícara de chá e ouvindo suas histórias. Achei o livro muito envolvente, a história muito bem pensada e terminei de ler com mais vontade ainda de ler Cem anos de solidão outra vez.

Francisco Azevedo. Doce Gabito. Rio de Janeiro: Record, 2012.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Meu País Inventado



"De qualquer modo, a vida é sonho" [pág 92]

Gosto muito da Isabel Allende. Desde que li "Paula" pela primeira vez que me encantei por sua escrita sensível e tão intensa. Em "Meu País Inventado", conhecemos o Chile (sempre presente em tudo que ela escreve) através dos olhos e das memórias de Allende. E como em qualquer história por ela contada, esta história, que é a história da própria Isabel e também a história do Chile, acaba por ser uma viagem fascinante. 

O livro tem um tom intimista, de confissão autobiográfica, mas impregnado de poesia. Uma das formas mais bonitas de se falar sobre o exílio que eu já li. Ela diz: "escrevo como um exercício constante de saudade" [pág. 11]. E eu sempre me encanto com a forma como Isabel Allende consegue reinventar essa saudade.

"Não seria escritora sem ter passado pela experiência do exílio". [p.200]


Isabel Allende. Meu país inventado. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. 238 páginas. Tradução: Mario Pontes.

domingo, 22 de setembro de 2013

Primavera num espelho partido

Este foi o meu primeiro livro do escritor uruguaio Mario Benedetti e confesso que me apaixonei por sua escrita apaixonada.
A história gira em torno de Santiago, preso durante a ditadura uruguaia, e Graciela, sua mulher. De um lado temos Santiago, que de dentro da prisão sente que o tempo parou e se alimenta das lembranças, sempre descritas com muita sensibilidade, para suportar a vida na cadeia. Do outro temos Graciela, que se muda para a Argentina com sua filha Beatriz e tenta reconstruir sua vida, enquanto espera durante anos que o seu marido seja libertado. Mas a distância e o tempo agem sobre o amor de Graciela e nós, leitores, sofremos por ver os dois caminharem em direção oposta.
Além desses dois, o livro intercala outras vozes como a de Beatriz, filha de Santiago, que encanta em seus comentários com uma visão infantil e inocente que nos emociona e muitas vezes nos faz rir; e Dom Rafael, pai de Santiago, por quem me apaixonei. As partes mais bonitas do livro são quando ele fala, e são sempre cheias de poesia.

Temos também a voz do próprio Benedetti, que em certos momentos narra acontecimentos e memórias de seu próprio exílio.

Vale a pena ler.

"Às vezes os jovens têm uma coragem à prova de bala e, no entanto, não possuem um ânimo à prova de desencantos. Se pelo menos eu e outros veteranos pudéssemos convencê-los de que sua obrigação é só a de continuarem jovens. Não envelhecer de saudade, de tédio ou de rancor, mas continuar jovens, para que na hora da volta voltem como jovens e não como resíduos de rebeldias passadas. Como jovens, quer dizer, como vida". [pág. 170]

"O essencial é adaptar-se. Já sei que com essa idade é difícil. Quase impossível. E contudo. Afinal de contas, meu exílio é meu. Nem todos têm um exílio próprio. A mim quiseram empurrar um alheio. Tentativa inútil. Transformeio-o em meu. Como foi? Isso não importa. Não é um segredo nem revelação. Eu diria que é preciso começar apoderando-se das ruas. Das esquinas. Do céu. Dos cafés. Do sol, e o que é mais importante, da sombra. É somente quando alguém chega a perceber que uma rua não lhe é estrangeira que a rua pára de vê-lo como um estranho. E assim com todo o resto." [pág. 17]

Mario Benedetti. Primavera num espelho partido. Rio de Janeiro: objetiva, 2009. 218 páginas.

sábado, 21 de setembro de 2013

O Filho de Mil Homens



Um homem chegou aos quarenta anos e assumiu a tristeza de não ter um filho”. É assim que começa o romance O Filho de Mil Homens (Cosac Naify, 2012) do escritor angolano Valter Hugo Mãe, vencedor do Prêmio José Saramago em 2007.

O livro conta a história de um pescador de quarenta anos que vive em uma aldeia onde os sonhos são anulados pela dura realidade e que sente uma imensa vontade de ter filhos. Tudo gira em torno dessa vontade de ter um filho e do quanto isso significa que acreditamos em um mundo melhor. A esperança transborda de forma poética em cada página e, um dia, o Crisóstomo, personagem central da história, encontra o órfão Camilo e o adota como filho. A partir de então vemos a construção e a invenção de uma família que, no decorrer dos capítulos, atravessa temas como a solidão, o preconceito, o amor e a compaixão. Escrito com grande sinceridade, é quase impossível não se encantar por esses personagens, não lhes querer bem. Em algum ponto, invariavelmente nos identificamos com eles, principalmente em relação ao seu desejo de ser feliz. Nessa procura pela felicidade, torcemos para que eles sejam felizes e, com isso, refletimos sobre nossa própria capacidade de ser feliz.

O Filho de Mil Homens é uma história de esperança, um lembrete daquela esperança na vida e no futuro, às vezes esquecida. E é também uma história de amor, contada com a poesia de Valter Hugo Mãe, um acalanto para aqueles que ainda acreditam que o amor é possível, que a felicidade pode estar logo ali, porque “quem tem menos medo de sofrer, tem maiores possibilidades de ser feliz” (pág. 18). Um dos melhores livros que já li. E nem preciso dizer que depois de ler essa história, o Valter Hugo Mãe passou a ocupar aquele cantinho sagrado da minha estante e do coração.





"Para entreter curiosidades, o velho Alfredo oferecia livros ao menino e convencia-o de que ler seria fundamental para a saúde. Ensinava-lhe que era uma pena a falta de leitura não se converter numa doença, algo como um mal que pusesse os preguiçosos a morrer. Imaginava que um não leitor ia ao médico e o médico o observava e dizia: você tem o colesterol a matá-lo, se continuar assim não se salva. E o médico perguntava: tem abusado dos fritos, dos ovos, você tem lido o suficiente. O paciente respondia: não, senhor doutor, há quase um ano que não leio um livro, não gosto muito e dá-me preguiça. Então, o médico acrescentava: ah, pois fique sabendo que você ou lê urgentemente um bom romance, ou então vemo-nos no seu funeral dentro de poucas semanas. O caixão fechava-se como um livro. O Camilo ria-se. Perguntava o que era colesterol, e o velho Alfredo dizia-lhe ser uma coisa de adulto que o esperaria se não lesse livros e ficasse burro. Por causa disso, quando lia, o pequeno Camilo sentia se a tomar conta do corpo, como a limpar-se de coisas abstratas que o poderiam abater muito concretamente. Quando percebeu o jogo, o Camilo disse ao avô que havia de se notar na casa, a quem não lesse livros caía-lhe o teto em cima de podre. O velho Alfredo riu-se muito e respondeu: um bom livro, tem de ser um bom livro. Um bom livro em favor de um corpo sem problemas de colesterol e de uma casa com teto seguro. Parecia uma ideia com muita justiça." (página 69)

Valter Hugo Mãe. O filho de mil homens. São Paulo: Cosac Naify, 2012. 208 pp.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Como um romance

Os direitos do leitor:

1. O direito de não ler
2. O direito de pular páginas
3. O direito de não terminar o livro
4. O direito de reler
5. O direito de ler qualquer coisa
6. O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível)
7. O direito de ler em qualquer lugar
8. O direito de ler uma frase aqui e outra ali
9. O direito de ler em voz alta
10. O direito de se calar






Encontrei esse livro por acaso em uma das minhas andanças pelas livrarias. Reconheci o autor, de quem já havia lido um livro muito inspirador sobre ser professor (Diário de Escola, Rocco, 2004), e esse livro aberto na capa me chamou a atenção.

Com base em sua experiência como professor e romancista, Pennac fala de forma poética sobre o mundo mágico da leitura, mundo este que ele ama tanto quanto nós.
Neste ensaio muito sensível, Pennac mostra que muito da magia da leitura se perde quando o livro deixa de ser o objeto de encantamento de nossa infância, quando pedimos aos nossos pais que contem e recontem as histórias de que gostamos, e passa a ser a leitura obrigatória do programa escolar.

Só pelo que lemos nesse livro já dá para sentir que Pennac é desses professores que inspiram e encantam os alunos pela paixão que ele compartilha e demonstra. É lendo para seus alunos adolescentes, que dizem num primeiro momento não gostar de ler, que Pennac os faz perceber que todos os grandes escritores, que eles julgavam incapazes de entender, contam uma história. E que, para entendê-la, é necessário voltar ao despudor da primeira infância, quando queríamos tudo descobrir.

"E se, em vez de exigir a leitura, o professor decidisse de repente partilhar sua própria felicidade de ler?" (página 73)

"Não se força uma curiosidade, desperta-se", e é lendo esses romances de grandes autores como Tolstói, Calvino, Dostoiévski, Gabriel Garcia Márquez, John Fante, entre outros, que ele desperta o desejo de ler nos alunos, que não conseguem esperar até a próxima aula para saber como aquela história continua e correm para as livrarias e bibliotecas para terminar de ler o livro. E um livro leva a outro, e a outro, e a outro... O universo mágico da literatura é reencontrado e eles agora podem continuar a descobrir os seus próprios caminhos entre os livros.

"O homem constrói casas porque está vivo, mas escreve livros porque se sabe mortal. Ele vivem em grupo porque é gregário, mas lê porque se sabe só. Essa leitura é para ele uma companhia que não ocupa o lugar de qualquer outra, mas nenhuma outra companhia saberia substituir. Ela não lhe oferece qualquer explicação definitiva sobre seu destino, mas tece uma trama cerrada de conivências entre a vida e ele. Ínfimas e secretas conivências que falam da paradoxal felicidade de viver, enquanto elas mesmas deixam claro o trágico absurdo da vida. De tal forma que nossas razões para ler são tão estranhas quanto nossas razões para viver. E a ninguém é dado o poder para pedir contas dessa intimidade." (página 150)

Achei esse livro apaixonante quando o li pela primeira vez em 2009,  e hoje relendo-o pela terceira vez, ele se faz ainda muito atual e acredito que sempre será. Os direitos do leitor, que ele lista no livro, foram libertadores para mim, principalmente o direito de não terminar o livro (porque sempre me sentia culpada quando a leitura não fluía e eu não queria abandonar o livro na metade) e o direito de calar, que é libertador no sentido de que não devemos explicações sobre o que lemos para ninguém. Gostaria de ter lido esse livro mais cedo, ainda na escola, e gostaria que todos os professores tivessem que ler esse ensaio para que a abordagem em sala de aula fosse diferente. Para que a literatura não ficasse sendo uma coisa chata e obrigatória para muita gente que não teve a sorte de ter um professor que os inspirasse.

E, a propósito dessa releitura hoje, entre os direitos do leitor, Pennac lista o direito de reler:

"Reler o que me tinha uma primeira vez rejeitado, reler sem pular, reler sob um outro ângulo, reler para verificar, sim ... nós nos concedemos todos esses direitos. 
Mas relemos sobretudo gratuitamente, pelo prazer da repetição, a alegria dos reencontros, para pôr a prova a intimidade.
"Mais", "mais", dizia a criança que fomos...
Nossas releituras adultas têm muito desse desejo: nos encantar com a sensação de permanência e as encontrarmos,  a cada vez, sempre rica em novos encantamentos." (página 137)

Um livro para ser lido, relido e compartilhado.

Daniel Pennac. Como um romance. Porto Alegre: L± Rio de Janeiro: Rocco, 2008.


quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Mimos


Presentes queridos que chegaram hoje na minha caixa de correio e que alegraram meu dia!


"Aquilo que lemos de mais belo deve-se, quase sempre, a uma pessoa querida. E é a essa mesma pessoa querida que falamos primeiro. Talvez porque, justamente, é próprio do sentimento, como do desejo de ler, preferir. Amar é, pois, fazer dom de nossas preferências àqueles que preferimos. E esses partilhamentos povoam a invisível cidadela de nossa liberdade. Somos habitados por livros e amigos". (Página 77)

Daniel Pennac. Como um romance. Porto Alegre: L± Rio de Janeiro: Rocco, 2008.

Uma casa na escuridão


Quando li esse livro pela primeira vez em 2010, nada conhecia sobre o autor. Havia lido todos os livros da Inês Pedrosa e amado, e procurava na livraria mais literatura portuguesa para ler quando encontrei "Uma Casa na Escuridão" e resolvi arriscar. A narrativa de José Luís Peixoto era poética, mas bem diferente dos textos da Inês. Comecei a ler intrigada, sem saber muito bem onde aquela história ia chegar.
Fui grifando trechos do livro já desde o início, seja porque eram poéticos e de imensa beleza, seja porque me faziam refletir e estabelecer conexões com outros textos, outras vivências, no que eu chamo de conversa livro-leitor. Quanto mais grifos há num livro que eu li, maior sinal de que gostei do que li. 
Mas a história, apesar dos trechos poéticos que me encantavam, seguia por caminhos diferentes do que eu esperava encontrar quando comprei o livro. Realismo mágico português? Caminhos por vezes intensos, sofridos, com cenas fortes que por vezes foi necessário parar a leitura para respirar. Mas onde que esse livro vai parar?, pensava eu. Mesclando momentos assim, em que o leitor mais sensível sente lhe faltar o ar com passagens de grande força poética, a história se desenrola de forma intensa; é mesmo uma casa na escuridão. Mas mesmo nessa escuridão eu consegui encontrar luz no texto do JLP. Pontos de doçura, delicadeza e poesia. Como nesse trecho aqui:

"O amor é o sangue do sol dentro do sol. A inocência repetida mil vezes na vontade sincera de desejar que o céu compreenda. Levantam-se tempestades frágeis e delicadas na respiração vegetal do amor. Como uma planta a crescer da terra. O amor é a luz do sol a beber a voz doce dessa planta. Algo dentro de qualquer coisa profunda. O amor é o sentido de todas as palavras impossíveis. Atravessar o interior de uma montanha. Correr pelas horas originais do mundo. O amor é a paz fresca e a combustão de um incêndio dentro, dentro, dentro, dentro dos dias. Em cada instante da manhã, o céu a deslizar como um rio. À tarde, o sol como uma certeza. O amor é feito de claridade e da seiva das rochas. O amor é feito de mar, de ondas na distância do oceano e da areia eterna. O amor é feito de tantas coisas opostas e verdadeiras. Nascem lugares para o amor e, nesses jardins etéreos, a salvação é uma brisa que cai sobre o rosto suavemente." (pág. 28)

Não sei se era o momento certo para ler o livro, ou se o compreendi como deveria, se é que é possível todos compreendermos os livros como deveríamos, mas quando terminei de ler achei difícil dizer algo sobre ele. O JLP diz que esse é seu livro mais difícil, que os leitores costumam amá-lo ou odiá-lo, mas não conseguia me definir por nenhum dos extremos. Não o amei por conta das partes por vezes tão pesadas, mas certamente não o odiei, porque ele contém tantos grifos de partes que me encantaram. Se não tivesse gostado, acredito que não teria procurado outros livros do JLP para ler. Mas creio que não o compreendi por inteiro, creio que fiquei na metade do caminho.

Depois de ter lido os outros livros do José Luís e admirá-lo cada vez mais, acho que estava mais preparada para ler uma casa na escuridão uma segunda vez. Já não tinha mais a angústia de não saber onde aquela história ia parar; já sabia mais um pouco sobre o autor; já estava mais madura como leitora para dizer algo sobre o livro.
Continuo amando a escrita poética que me encanta; continuo precisando de ar em algumas partes, porque isso não muda. Mas talvez agora tenha caminhado um pouco mais nessa leitura, já não estou mais no meio do caminho. E se essa casa é a humanidade e estamos em muitos momentos na escuridão de atitudes e pensamentos tão desumanos da época em que vivemos, eu fico feliz por ter tido olhos para encontrar pontos de luz no texto, pontos de esperança na vida.

Esse livro é e será sempre especial para mim por muitos motivos: por ter sido o primeiro livro do JLP que eu li; por ter a descrição mais linda e poética do que é tradução que eu já vi na vida (mais precisamente nas páginas 262,263 e 271) e sendo tradutora isso já bastava para me conquistar para todo o sempre; e também porque de todos os autógrafos que eu ganhei do Zé Luís, esse é o mais bonito, um dos mais especiais para mim.

José Luís Peixoto. Uma casa na escuridão. Rio de Janeiro: Record, 2009.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Milagrário Pessoal

Atualmente muita importância é dada às línguas estrangeiras, parecem ser sempre mais belas e mais difíceis, tanto que geralmente nos esquecemos da beleza e da riqueza de nossa própria língua. José Eduardo Agualusa, escritor nascido em Angola, faz belo uso das palavras e nos presenteia com um romance que pode ser descrito como uma história da língua portuguesa, seu ritmo, seus desdobramentos, suas raízes. Uma história de alguém apaixonado por palavras, pela vida própria que as línguas têm e seu poder de unir destinos e histórias nos mais variados territórios.

Em Milagrário Pessoal, publicado no Brasil pela Editora Língua Geral, especializada em publicar apenas escritores de países falantes de língua portuguesa e cuja linda edição por si só já é um presente, Agualusa conta a história de um velho professor angolano que reencontra uma ex-aluna, agora uma pesquisadora especialista em neologismos, as palavras novas que vão surgindo nas línguas a cada dia. Juntos os dois contarão uma fábula sobre a história da língua portuguesa em uma das aulas de Lingüística mais simples e poéticas que já vi.

O livro é, acima de tudo, uma história de amor, bonita e delicada como o próprio texto e capaz de emocionar diferentes leitores. É a história de um homem mais velho que, com grande sensibilidade, nos ensina a apreciar a beleza da vida nas coisas mais simples ao anotar em um caderno, seu "milagrário pessoal", aqueles pequenos milagres cotidianos que dão sentido à vida e que nem sempre valorizamos como deveríamos, o que é sem dúvida uma grande lição para muitos de nós.

Milagrário Pessoal é um romance apaixonado sobre a língua portuguesa, o passar do tempo, os amores impossíveis e a beleza das coisas pequenas, mas não menos importantes. Um livro delicioso de ler e pelo qual é impossível não se apaixonar.

"Vou anotando nas páginas do meu Milagrário Pessoal os fatos extraordinários que me sucedem, ou de que sou involuntária testemunha, dia após dia. É um diário de pequenos prodígios. Os milagres acontecem a cada segundo. Os melhores costumam ser discretos. Os grandes são secretos". (pág. 18)


José Eduardo Agualusa. Milagrário Pessoal. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2010.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Um estranho em Goa


"Uma vez uma jovem jornalista quis saber porque é que eu escrevia. Os jornalistas menos experientes costumam perguntar isto a quem escreve, para ganhar tempo, enquanto pensam no que vão perguntar em seguida. Há quem assuma, com ar trágico, que a literatura é um destino: "Escrevo para não morrer." Outros fingem desvalorizar o próprio ofício: "Escrevo porque não sei dançar." Finalmente existem aqueles, raros, que preferem dizer a verdade: "Escrevo para que gostem de mim." (o português José Riço Direitinho) ou "Escrevo porque não tenho olhos verdes." (o brasileiro Lúcio Cardoso). Podia ter respondido alguma coisa deste gênero, mas decidi pensar um pouco, como se a pergunta fosse séria, e para minha própria surpresa encontrei um bom motivo: "Escrevo porque quero saber o fim." Começo uma história e depois continuo a escrever porque tenho de saber como termina. Foi também por isso que fiz esta viagem. Vim à procura de um personagem. Quero saber como termina a história dele." (Página 12)


A literatura de viagens não é coisa fácil. Fico sempre receosa se eu também, ao ler o livro, vou conseguir viajar pelos mesmos lugares em que o autor esteve, na minha imaginação. Quando vi esse livro na livraria há um tempo atrás, decidi comprá-lo simplesmente porque era Agualusa e isso para mim bastava para ter entrada livre na minha estante. Depois que li Milagrário Pessoal, principalmente, ele tem entrada livre para a minha estante de favoritos.

Hoje estava querendo viajar um pouco, passear por lugares distantes, talvez para fugir um pouco do calor. E nas palavras de Agualusa, a viagem foi muito prazerosa. Logo de cara nos deparamos com um texto que tem essa poesia que amo, poesia de quem tem uma sensibilidade para capturar e descrever nuances dos lugares, das cores, dos cheiros, do jeito de olhar das pessoas. Agualusa nos transporta por essa aventura exótica pelos caminhos de Goa, e já não sabemos o que é literatura de viagem e o que é ficção. Ao mesmo tempo, temos o prazer da companhia do autor, que mostra um pouco mais da sua relação com a escrita, com a literatura e com seu processo de criação neste livro, que dá a impressão de ser um diário da realidade (ou da imaginação):

"Escrevi, há três ou quatro anos, um conto que começava assim. Muita gente me perguntou se a história era verdadeira. Costumo insinuar, quando a propósito de outras histórias me colocam idêntica pergunta, que já não sei onde ficou a verdade - embora me recorde perfeitamente ter inventado tudo do princípio ao fim. Naquele caso fiz o contrário. "Tretas", menti, "pura ficção". Disse isso porque queria encontrá-lo. Inventei um nome para ele, ou nem isso, dei-lhe o nome de outro homem". (página 13)

Mais adiante, na página 52, o autor diz:
"Começo imediatamente a associar frases soltas, ocorrências, pormenores. É um vício intelectual. Deem-me dois ou três fatos, ou nem isso, apenas vagos indícios, e eu construo um romance. Aliás, quanto menos fatos melhor, a realidade atrapalha a ficção".

E na página 147, cita o sábio conselho de outro grande escritor que vale a pena anotar:
"Não se esqueça que o medo, como dizia Hemingway, é quase sempre uma falta de capacidade para suspender a imaginação." 

Esse tom de diário, que comenta desde a melancolia de certos lugares que o agradam (agradam-me também) ao fato de sofrer por ser pontual (acontece comigo também!), nos aproxima do autor. E compartilhamos o mesmo amor pelos livros:

"Passava pela Praça da Igreja, em Pangim, quando vi os livros. Sou atraído por livros assim como outros homens são atraídos, sei lá, por um par de pernas morenas de mulher. Um par de pernas, eventualmente, também me atraem - mas os livros atrem-me sempre". (página 79)

Gostei muito de ter lido hoje Um estranho em Goa. Agualusa diz que "Viajar é perder pessoas", e talvez seja de certa forma assim. Mas é no talento de escritores como ele que essas pessoas se eternizam e podem viajar conosco sempre que o livro for reaberto. Porque nem sempre lemos para saber o final. Às vezes, o mais importante é a viagem em si.

José Eduardo Agualusa. Um estranho em Goa. Rio de Janeiro: Gryphus, 2010. 159 páginas.



segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Escrever.

Das coisas lindas que achamos pelo caminho:

"Não creio que para escrever seja preciso ir à procura de aventuras. A vida, a nossa vida, é a única, a maior aventura. O papel de parede que vimos na infância, uma árvore ao entardecer, o voo de um pássaro, aquele rosto que nos surpreendeu no elétrico, podem ser mais importantes para nós do que os maiores feitos do mundo. Quem sabe se quando esquecermos uma revolução, uma epidemia ou os nossos piores infortúnios, talvez permaneça em nós a recordação da parede, da árvore, do pássaro, do rosto. E se permanecerem, é porque algo os tornará memoráveis, havia neles algo de imperecível, e a arte só se alimenta daquilo que continua a vibrar na nossa memória." | Julio Ramón Ribeyro

domingo, 15 de setembro de 2013

Domingo.




 Deveria haver estrelas para grandes guerras como a nossa. 
(Sandra Cisneros)

sábado, 14 de setembro de 2013

A Delicadeza

 Os títulos me conquistam com grande facilidade. Uma capa então, pode me ganhar ou me perder. Às vezes, é amor à primeira vista, como aconteceu quando vi nas prateleiras da livraria a capa de Delicacy, do David Foenkinos, que eu não conhecia. Comecei a ler e me encantei pelo estilo do Foenkinos: poético, com a dose certa de humor e de ternura, realmente delicado como o título sugeria. 
Nathalie, a personagem principal da história, tem realmente um quê de Amelie Poulain. O mesmo ar sonhador e romântico, a mesma timidez. Um dia ela conhece François e, num desses acasos felizes da vida, os dois se apaixonam e vivem a história de amor que qualquer um sonha em viver. O pedido de casamento é daqueles que nos deixam sonhando.
Esta não é apenas mais uma história de amor. É uma história sobre perdas, recomeços e segundas chances. É uma história bonita sobre encontrar a delicadeza necessária para reencontrar o amor e a alegria de viver.
"Procurava lembrar para onde estava indo quando topara com ele. Era algo turvo. E, no entanto, ela não era do tipo que anda por aí sem ter um ponto definido para chegar. Não tinha planejado perfazer o percurso daquele romance de Cortázar que tinha acabado de ler? A literatura estava ali, agora, entre os dois. Sim, era isso mesmo, ao ler O jogo da amarelinha gostara especialmente daquelas cenas em que os heróis tentam se cruzar na rua seguindo itinerários saídos da frase de um clochard. À noite, reconstruíam os percursos em um mapa, para ver em que momento poderiam ter se encontrado, em que momentos certamente teriam roçado um no outro. Era por ali que ela estava andando: dentro de um romance". (pág. 12)

Este é um daqueles livros que nos levam das lágrimas ao riso, mas com a delicadeza de uma escrita cuidadosa nos detalhes em cada página. O David Foenkinos, atualmente considerado um dos melhores escritores da nova geração na França, traz a simplicidade de histórias comuns e as transforma em poesia, com alusões à literatura, à música e à pintura. É bonito como o amor à leitura é inserido na história, na cena sutil em que a leitura de um livro marcada com um marcador de páginas simboliza o momento da grande perda de Nathalie e, a leitura do mesmo livro, mais adiante, marcando um recomeço, uma nova história de amor. Essa história linda foi traduzida para o cinema de forma igualmente bela em A delicadeza do amor, com a Audrey Tautou no papel da Nathalie e François Damiens no papel do desengonçado e doce Markus.



Recomendo para quem está precisando relembrar da beleza da vida nas pequenas coisas que fazem toda a diferença.

David Foenkinos. A Delicadeza. Rio de Janeiro: Rocco, 2011. Tradução: Bernardo Ajzenberg.

P.S: para acompanhar o filme e/ou o livro, não posso deixar de recomendar a receita delícia da Sara  Graciano

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Away from her

Depois de ver o vídeo tão bonito feito pela Juliana Brina (para ver o vídeo, clique aqui) e uma resenha ainda melhor sobre a escritora canadense Alice Munro, comecei a ler o livro Away from her (Longe dela), que na verdade é o título do filme dirigido pela Sarah Polley e que é baseado em um conto da Alice Munro chamado "The Bear Came Over The Mountain". Li e reli esse conto, e olha que não sou grande fã de contos, prefiro romances, mas a escrita da Alice Munro é realmente como a Juliana tão bem descreveu. O conto é lindo e quero muito ver o filme da Sarah Polley que, pela introdução tão apaixonada do conto nesse livro também foi mordida pela delicadeza e sutileza da escrita da Alice Munro. Selecionei esse trecho da introdução feita pela Sarah Polley que para mim resumiu muito bem essa história:


"the things you remember, not in words but in the very molecules that make up your being, can be more painful than the things that are forgotten"

O conto é uma história de amor delicada e sutil. É um conto sobre a memória, a vida, e a dor de se lembrar e se esquecer. Gostei muito. Gracias pela dica, Juliana Brina :)
E para quem gosta de fazer mágica na cozinha e curtir o filme, não posso deixar de recomendar a receita maravilhosa da Sara Graciano :)

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A Contadora de Filmes


A Contadora de Filmes, do escritor chileno Hernán Rivera Letelier, foi uma daquelas pequenas grandes descobertas. Em uma edição linda da Cosac Naify (2012), o livro é uma ode ao poder mágico de contar histórias e ao cinema.

A história se passa em um povoado onde seus habitantes, os trabalhadores das minas de sal, viviam uma vida difícil, sem ter dinheiro suficiente, e sua única diversão era ver os filmes exibidos no cinema local, que ainda assim era muito caro para alguns. No livro, a magia e o fascínio que o cinema exercia na época, influenciando a vida das pessoas já que não existia televisão, são contados com uma certa dose de saudosismo e nostalgia que os amantes da sétima arte sem dúvida vão gostar.

A protagonista da história é a menina Maria Margarita, única mulher em uma família de três irmãos. A mãe abandonou a família quando o pai ficou paralítico por conta de um acidente. Como todos da região, Maria Margarita espera ansiosamente pela estréia do novo filme no cinema local. O cinema aqui aparece como uma realidade de sonho e fantasia, que transporta as pessoas, mesmo que por algumas horas, da dura realidade em que viviam. Mas o dinheiro é pouco para que todos os membros da família possam ir ao cinema. É quando o pai decide decide criar uma competição entre os irmãos para descobrir que será o melhor contador de filmes que irá ao cinema ver os novos filmes e voltar para casa para contar as histórias para a família. É assim que Maria Margarita se transformará na contadora de filmes e vai mudar sua vida para sempre.

Extremamente comovente e terno, o livro é uma homenagem ao cinema e à arte perdida de contar histórias. Ao poder que a imaginação tem de nos transportar para uma realidade menos sofrida.

Não posso deixar de comentar que as páginas do livro  são diagramadas como retângulos brancos sob um fundo preto, que nos transportam para a tela em branco no escuro de uma sala de cinema. Esses detalhes tão cuidadosos que sempre vemos nas edições da Cosac e que são sempre um elemento a mais durante a leitura.

Hernán Rivera Letelier. A Contadora de Filmes.São Paulo: Cosac Naify, 2012. 112 páginas. Tradução: Eric Nepomuceno.


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

É assim que você a perde

O escritor Junot Díaz tem sido aclamado por sua escrita arrebatadora que, com um ritmo acelerado, se aproxima muito da oralidade. Nascido em Santo Domingo, na República Dominicana, é vencedor de vários prêmios, entre eles o Pulitzer de Ficção em 2008 pelo romance A Fantástica Vida Breve de Oscar Wao. O autor é considerado um dos grandes nomes da nova geração.



Trazendo sempre para a história a perspectiva dos imigrantes, Díaz aborda questões interessantes como o "sentir-se estrangeiro", o preconceito contra os imigrantes latinos e a língua como instrumento de dominação e poder. Como uma marca de resistência, encontramos no texto de Díaz palavras no seu idioma materno, o espanhol, o que confere ao texto uma característica própria da literatura pós-colonial e não deixa dúvidas sobre sua identidade, representando a língua dos imigrantes que por vezes é completamente oprimida.

"Nessa noite, eu e Ana Iris vamos ver um filme. Não entendemos inglês, mas gostamos dos tapetes limpos do novo cinema". (pág. 81)

Nessa história, ou melhor, nas várias histórias que compõem o livro e se entrelaçam, Díaz nos fala de relacionamentos perdidos e da vida de um homem acostumado a trair suas namoradas, mas sem ser piegas ou clichê. A vida se apresenta real e intensa no decorrer das páginas e no ritmo acelerado de Díaz, apesar de às vezes chocante, no final até conseguimos entrever uma certa dose de romantismo.

"Ela balança a cabeça, o rostinho de criança inexpressivo. Na certa está com saudades do filho ou do pai do filho. Ou do nosso país inteiro, no qual você nunca pensa até se mandar e que você nunca ama até não estar mais lá." (pág. 72)

Este é um daqueles livros que nos tiram de nossa zona de conforto porque confronta o leitor com um choque de realidade e de loucura que não vemos nos filmes de amor. Começamos a ler sem saber muito bem onde o autor quer chegar, mas nesse ritmo próprio Junot Díaz nos conduz por uma narrativa diferente, que nos faz pensar, mas não apenas no amor. 

Junot Díaz. É assim que você a perde. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2013.

domingo, 1 de setembro de 2013

Duas pessoas são muitas coisas

Quando eu li "Papel Manteiga para Guardar Segredos: cartas culinárias" fiquei apaixonada pela escrita tão delicada e poética da Cris Lisbôa. O livro tem um pouco de tudo que eu gosto: cartas, amigos, amor, receitas, em uma alquimia tão perfeita quanto a que acontece quando se prepara um bolo gostoso. Dá até para sentir o cheiro dos sabores que a autora tão bem descreve.
Encontrar "Duas Pessoas São Muitas Coisas" foi uma alegria. Saber um pouco mais sobre a história de Virgínia, personagem de Papel Manteiga, foi lindo que só. As receitas tem nomes tão bonitos que devem ser feitas recitando poesia, ou lembrando de um grande amor.
Recomendo aos que sorriem com os olhos, porque ainda acreditam.

"Gosto das folhas caídas. Gosto das árvores nuas. Porque sei que o ciclo sempre faz com que tudo nasça de novo e caia e nasça. Isso de morrer e teimar em reviver me encanta. Pena que não seja lei." pág. 31

Be Kind.