domingo, 8 de janeiro de 2017

Aqui estão os sonhadores



Em uma época em que a questão dos imigrantes está tão presente nas discussões políticas em todo o mundo, principalmente nos EUA (e nem sempre pela perspectiva mais positiva do acolhimento), um livro escrito por uma imigrante camaronesa que retrata com sensibilidade a situação dos imigrantes nos EUA e as dificuldades que enfrentam em busca de permanência parece ser mais do que necessário.

É por ter como protagonistas um casal de imigrantes camaroneses que sonha em conquistar o green card e permanecer nos Estados Unidos que o romance de Imbolo Mbue chama a atenção. Apesar de saberem dos problemas existentes nos Estados Unidos pelos muitos filmes que viram ainda em seu país - e nesse ponto fica claro o papel do cinema e da mídia na manutenção desse "sonho americano" -para o casal Jonga, os Estados Unidos  significavam felicidade. O casal estava disposto a trabalhar duro para conseguir permanecer na América e dar um futuro melhor para os filhos. As dificuldades, no entanto, são muitas: a dificuldade de oportunidades, com o idioma, o preconceito, mas principalmente financeiras, o que se agravou ainda mais por conta da recessão.

O choque entre as culturas se faz presente desde as primeiras páginas quando Jende precisa elaborar um currículo que impressione e se vestir de acordo com o esperado no país para conseguir um emprego. Depois de algum tempo vivendo em condições precárias e trabalhando em diversos serviços, ele finalmente consegue juntar dinheiro para que a esposa e o filho possam finalmente se juntar a ele em Nova York.

Mas a vida de Jende muda mesmo quando ele começa a trabalhar como motorista para Clark Edwards, um executivo rico de Wall Street. Acompanhando o dia a dia da família Edwards, ouvindo as conversas que travavam dentro do carro enquanto os levava para os lugares, Jende passa a conhecer não apenas seus segredos, mas também seus problemas e dores. Nesse ponto, as duas famílias, a princípio tão diferentes pelas condições de vida que possuem, se aproximam nas relações familiares e em problemas que podem ser comuns a muitos de nós. A nossa humanidade está além das fronteiras, ou pelo menos, deveria ser sempre assim.

Além de tratar da situação dos imigrantes em busca de asilo, o romance aborda as questões familiares, a relação entre pais e filhos, traição, perdas e lealdade. Ao focar na vida desses trabalhadores imigrantes, a autora consegue tecer importantes críticas à sociedade estadunidense, e principalmente à essa busca desenfreada por mais e mais dinheiro que gera tanta infelicidade nas sociedades capitalistas. Ela demonstra como uma vida de aparências pode ser feita de solidão e como a felicidade pode estar nas pequenas coisas. Isso tudo com um tom leve, uma vez que todos os personagens são retratados sem idealizações, mostrando seus pontos positivos e negativos.

Em Aqui estão os sonhadores, eu diria que não há um herói, mas diversos heróis - homens e mulheres tentando se encontrar na vida, o que nem sempre acontece através do caminho mais curto ou mais fácil. E apesar de ser um retrato bastante fiel de uma sociedade que tem tratado muito mal o outro, há algo de terno nessa história que nos mantém presos ao livro até chegar a última página.

Além disso, chama a atenção a violência contra as mulheres que ocorre em todas as classes sociais e independe de cor, raça, classe ou etnia. Tanto as imigrantes camaronesas que levam surras de seus maridos por serem consideradas por eles como "propriedade", em uma demonstração de como é absurda a naturalização dessa violência, disfarçada muitas vezes de "cultura" -  quanto o sofrimento da esposa de Clark Edwards, que carrega as marcas dessa violência em segredo, revelam as dimensões sociais desse problema, que deveria ser uma preocupação de todos nós.

A maternidade é outro ponto que podemos observar no romance, uma vez que vemos um retrato de mães imperfeitas, que amam seus filhos e são capazes de fazer tudo por eles - mas também há registros de relações que fracassaram por que mães tiveram filhos que não foram desejados ou foram fruto de violência.

Em resumo, talvez o grande mérito dessa autora estreante seja este: construir personagens que aprendemos a amar e a odiar durante a leitura, mostrando que tanto na ficção quanto na vida real, viver é esse eterno aprender. E tudo isso por meio de uma narrativa extremamente envolvente que revela uma grande contadora de histórias, sensível ao que se passa no mundo ao seu redor.


Imbolo Mbue nasceu em Limbe, Camarões. Ela estudou nas Universidades Rutgers e Columbia. Imbolo mora nos Estados Unidos há mais de uma década e vive na cidade de Nova York. Aqui estão os sonhadores é seu primeiro romance.
*Recebi este livro como cortesia da Globo Livros.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

A guerra não tem rosto de mulher


"A vila de minha infância depois da guerra era feminina. Das mulheres. 
Não me lembro de vozes masculinas. Tanto que isso ficou comigo: 
quem conta a guerra são as mulheres. Choram. Cantam enquanto choram."

Em A guerra não tem rosto de mulher, a ucraniana Svetlana Aleksiévitch, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em 2015, reúne depoimentos de diversas mulheres que participaram como soldados na Rússia durante a Segunda Guerra. Neste ensaio jornalístico e de múltiplas vozes, surpreende e emociona encontrar histórias tão verdadeiras e sofridas de mulheres, relatos quase sempre silenciados até mesmo pela história. Afinal, como constata Svetlana sobre a história da guerra:

"Foi escrito por homens e sobre homens, isso ficou claro na hora. Tudo o que sabemos da guerra conhecemos por uma “voz masculina”. Somos todos prisioneiros de representações e sensações “masculinas” da guerra. Das palavras “masculinas”. Já as mulheres estão caladas."

Assim como ocorre na literatura, as vozes femininas são também silenciadas em suas experiências pessoais e relatos, ainda que sua participação ativa e corajosa durante a guerra tenha sido indispensável. Milhares de mulheres lutaram nos campos de batalha e nesse registro tomamos conhecimento das dificuldades que enfrentaram para conseguir se afirmar entre os batalhões de homens que julgavam que elas fossem frágeis e incapazes de lutar. O mais doloroso, entre as muitas histórias dolorosas que este livro nos conta, é ver que, diferente dos homens, consagrados como heróis depois da guerra, essas mulheres enfrentaram o preconceito de suas famílias e da sociedade sexista, sempre acostumada a punir aquelas que desafiam os papéis de gênero tradicionais. Ao voltar para casa depois da guerra, tiveram que esconder suas medalhas e suas histórias por medo de que sua participação as impedissem de obter um bom casamento e constituir uma família. 

O sofrimento das mães que perderam seus filhos e até mesmo que tiveram que abandoná-los durante a guerra; a violência sexual sofrida pelas mulheres de todas as nacionalidades e que quase sempre não é comentada; a preocupação que as mulheres tinham de se ferirem ou ficarem com marcas enquanto estavam na frente de batalha, preocupadas com a imagem e o corpo que precisavam ter para conseguir se casar depois que a guerra acabasse; os amores e as perdas durante os muitos anos de guerra; o envelhecimento precoce de meninas que foram corajosas o suficiente para ir lutar pela sua pátria quando já não havia homens onde moravam que pudessem se alistar; esses são alguns dos muitos temas, surpreendentemente atuais, que Svetlana resgata nessas histórias. Histórias de mulheres silenciadas há tanto tempo que faz-se urgente ouvi-las. E cada livro que dá voz a tantas vozes silenciadas merece, e muito, ser lido e compartilhado. Principalmente se ele nos mostra novas perspectivas que contestem essa história única e masculina.

"E a história? Ela está na rua. Na multidão. Acredito que em cada um de nós há um pedacinho da história. Um tem meia paginazinha, outro tem duas ou três. Juntos, estamos escrevendo o livro do tempo. Cada um grita sua verdade. O pesadelo das nuances. E é preciso ouvir tudo isso separadamente, dissolver-se em tudo isso e transformar-se em tudo isso. E, ao mesmo tempo, não perder a si mesmo. Unir o discurso da rua e da literatura. "

Svetlana Aleksiévitch. A guerra não tem rosto de mulher. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

domingo, 1 de janeiro de 2017

Resultado: sorteio da virada



E quem ganhou um exemplar de História de quem foge e de quem fica, de Elena Ferrante, para começar 2017 com uma ótima leitura foi a Vanessa Rodrigues Barcelos.

Obrigada a todos e todas que participaram! Feliz 2017!