sábado, 20 de abril de 2013

O estranho caso do cachorro morto


Em “O Estranho Caso do Cachorro Morto”(Record,2004. 288 p.), Mark Haddon conta a história de um garoto de 15 anos muito especial. Cristopher sabe todos os países do mundo e suas capitais e cada número primo até 7.057. Ele adora animais, mas não consegue decifrar e compreender bem as expressões de outras pessoas. Ele não suporta ser tocado e simplesmente odeia a cor amarela. Apesar de ter um cérebro extremamente lógico, sua mente percebe o mundo de forma bem literal. Cristopher sofre da Síndrome de Asperger, uma forma de autismo, o que torna as interações sociais algo muito complicado para o garoto.

Certa noite, Christopher encontra o cachorro da vizinha morto no jardim e, inspirado em seu personagem favorito, o detetive Sherlock Holmes, ele decide investigar esse crime e descobrir quem matou o animal. É através das aventuras de Cristopher que o autor nos ajuda a compreender, com graça e delicadeza, a forma peculiar de ver o mundo dos que sofrem dessa síndrome. Mark Haddon nos emociona com a história de uma família que poderia ser a minha ou a sua, com problemas e dificuldades normais, mostrando que precisamos nos colocar sempre no lugar do outro para compreender que o que julgamos diferente é só mais um jeito de ver o mundo ao nosso redor.


Haddon, Mark. O estranho caso do cachorro morto. Rio de Janeiro: Record, 2004. 288 p.

A redoma de vidro





“I took a deep breath and listened to the old brag of my heart. I am, I am, I am.”

Há tempos esse livro me espera aqui na minha estante, e eu nunca achava que fosse o momento. Mas ainda sigo acreditando que há o momento certo para cada livro que cruzará nosso caminho, por algum motivo. E talvez nunca estejamos realmente preparados para ler A Redoma de Vidro. Não porque a leitura seja difícil; o texto de Sylvia Plath flui elegantemente como uma correnteza, um turbilhão de ideias e emoções, e não conseguimos sair dele. Não conseguia parar de ler.

Já sabia que seria um livro triste, mas foi muito diferente de um romance comum sem final feliz. Passei dias digerindo essa história, a história mesmo de Plath, e só tenho a dizer que me marcou profundamente, que despertou em mim a maior compaixão. Tanto que fui pesquisar sobre a vida dela e tudo do livro foi ficando ainda mais claro.

É isso que Sylvia Plath faz em sua escrita: puxa uma cadeira para que o leitor se aproxime e se sente perto dela, sinta sua dor, sua angústia, como em uma conversa entre amigos. E quando a gente termina de ler, fica o mesmo vazio de quem perdeu o lugar na mesa.

Plath escrevia maravilhosamente e A Redoma de Vidro, além de uma demonstração clara de sua genialidade, é um grito de socorro em cada página. Pena que não foi ouvido.

Novecentos




Se há um adjetivo que não pode ser usado para descrever a literatura do escritor italiano Alessandro Baricco é a palavra previsível. Todo o encantamento de sua obra consiste em dizer tudo no não dizer, usando as entrelinhas para contar, com muita poesia, histórias que sempre surpreendem e emocionam.

Novecentos conta a história de um órfão que nasceu em um navio e, adotado pela tripulação, passou toda a sua vida no mar, tornando-se um dos maiores pianistas do mundo. Apesar de nunca ter posto os pés em terra firme, sua fama alcançou o mundo inteiro. Sua música carregava um pouco de cada canto do mundo, que ele conheceu através das muitas pessoas que viu chegar e partir do navio. Depois de 32 anos vividos no mar, Novecentos finalmente pensa em descer. Ele quer ver o mar, mas da terra. Essa mudança de perspectiva nos faz pensar em nossa própria maneira de ver as coisas, de ver o mundo.

O dilema de Novecentos, sua dúvida entre descer ou não descer do navio, é uma metáfora de nosso posicionamento diante da vida, da nossa vontade (e coragem) de enfrentar os desafios e o desconhecido para poder encontrar as alegrias que a vida oferece.

Novecentos foi adaptado para o cinema pelo diretor italiano Giuseppe Tornatore em A Lenda do Pianista do Mar (La Leggenda del Pianista Sull’oceano, 1998, 160 min) e foi o primeiro filme em inglês do diretor. Com Tim Roth no papel de Novecentos, o filme ganhou o globo de ouro de melhor trilha sonora e é um daqueles filmes que devemos ver antes de morrer.

Alessandro Baricco. Novecentos: um monólogo. Ed. Rocco, 2000. 72 páginas.