sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Fazes-me falta



"Quando os meus pais morreram, julguei que Deus se ria de mim e virei-lhe as costas. O padre que os enterrou só falava de pecados. Inferno e contrição. Os tios que tomaram conta de mim diziam-me que eles estavam no céu a velar pelo meu futuro, e eu enfurecia-me com esses pais mudos que me deixavam na solidão da noite interrogando as estrelas. Nunca os ouvi, como tu não ouves agora o que te digo. Mas o sorriso de Deus tocou-me, provando, na sua oscilação, que eles estavam lá, algures, no negro. E parecia-me que a graça da existência consistia em procurar vozes na noite - uma noite cuja cauda se arrasta pelo fundo do mar e pelo interior da terra, uma noite que o vapor branco do sol apenas abre um pouco mais. Assim me apaixonei pelos livros - pela noite que neles nos invade, quando os abrimos, pela noite que neles resiste, depois de lidos, relidos e fechados. Pela noite que prossegue, incansável, entre as palavras, as palavras sem dono, escritas da ausência para a ausência."

Inês Pedrosa. Fazes-me falta. São Paulo: Planeta, 2003. p.97

sábado, 6 de dezembro de 2008

Saramago

Porque eu achei lindo. E adoro o livro, e o Saramago. E porque ando sensível que só vendo.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

A Eternidade e o Desejo

Este livro foi meu primeiro encontro com a Inês Pedrosa, até então desconhecida. Foi amor à primeira vista.
O romance, ambientado no Brasil, conta a história de uma professora portuguesa que se apaixona por um brasileiro e por conta de um acidente, perde ao mesmo tempo seu grande amor e sua visão. Ela então volta à Bahia depois de muito tempo, para percorrer os passos do Padre Antônio Viera, cujos sermões (alguns trechos) são citados no decorrer do livro. A escrita de Inês Pedrosa é apaixonada, de uma poesia que realmente encanta. O livro é belíssimo.

"Como se, de súbito, te estivesses esmagado pela intraduzível vastidão do teu olhar. O que se vê nunca se pode narrar com rigor. As palavras são caleidoscópios onde as coisas se transformam noutras coisas. As palavras não têm cor - por isso permanecem quando as cores desmaiam. Percebo o teu aturdimento: como se traduz a visão? Como se emprestam os olhos? Impossível. Ainda por cima num aeroporto, onde tudo é movimento; o movimento entorpece o acontecer das coisas. Conta-me só a verdade, Sebastião. O que sobra daquilo que vês." 

[...] Peço-te que não me conte histórias de despedidas. Veja-as à transparência das vozes, no recorte bruto das frases interrompidas, entrecortadas de tristeza. Peço-te que olhes para o que fazem as pessoas felizes - são essas que preciso de ver. Dizes-me que te peço demasiado, que a felicidade não se vê" (pág 14/15)


"Não, não vês, como eu não via. Pertencer a um país que de antigo se tornou velho também não ajuda a ver. Só através dos olhos desse António que veio do Brasil eu comecei a ver. Nos olhos dele aprendi a ler Vieira, como no seu corpo aprendi a saborear o desejo infinito, o desejo como experiência da eternidade. Para essa experiência não tenho palavras. Nem sequer silêncio. Dessa experiência, sobrou-me o que sou."  p.26

"Como te posso ajudar, Sebastião? Pelo toque, dizes tu. Os tecidos devem escolher-se pelo toque. E pelo cheiro. Como a pele. Nada demora tanto a esquecer como a pele. De qualquer maneira, Sebastião, eu visto-me quase sempre de branco. É menos fácil enganarmo-nos, de branco. Queres oferecer-me uma blusa de renda da Bahia. Recuso a oferta, insistes: deixa-me, deixa-me. Dá-me esse prazer. Sim, porque não te hei-de dar esse prazer? O prazer que se pode dar acalma as tempestades humanas; mas o prazer que se recebe e guarda nunca mais nos deixa serenar."  p.59

Um tal de mar

Tenho encontrado coisas bonitas assim:

"Tem 38 anos, Bartleboom. Ele pensa que em algum lugar, no mundo, encontrará um dia uma mulher que, desde sempre, é a sua mulher. De vez em quando amargura-se pela obstinação do destino em fazê-lo esperar com tanta indelicada tenacidade, mas com o tempo aprendeu a considerar o fato com grande serenidade. Quase todo o dia, agora já faz anos, pega a caneta na mão e escreve-lhe. Não tem nomes e não tem endereços para colocar no envelope: mas tem uma vida para contar. E a quem, senão a ela? Ele pensa que quando se encontrarem será bonito pousar em seu colo uma caixa de mogno cheia de cartas e dizer-lhe
- Estava à sua espera.
Ela abrirá a caixa e lentamente, quando assim quiser, lerá as cartas uma a uma e subindo um quilométrico fio de tinta azul pegará para si os anos - os dias, os instantes - que aquele homem, antes ainda de conhecê-la, já lhe apresentara. Ou talvez, mais simplesmente, virará a caixa e atônita diante daquela engraçada nevasca de cartas sorrirá dizendo para aquele homem
- Você é louco.
E para sempre o amará."

Baricco, Alessando. Oceano Mar. São Paulo: Iluminuras, 1997. p.24

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Simplesmente amor

Esse filme é todo lindo, cheio de cenas fofas. Mas essa eu acho uma graça. Até mais do que a famosa cena da declaração de amor com os cartões (que é linda, é verdade). Mas essa tem ainda a inocência do amor (aquela antes de perdê-lo pela primeira vez).
Para alegrar a sexta-feira à noite. Ou não.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Fazer pão





Então que eu tenho um pé na cozinha, ou melhor, um coração inteiro. Adoro fazer coisinhas gostosas para agradar as pessoas queridas. Sempre faço as vontades, acho que isso é de minha natureza, gosto de mimar quem eu amo. E cozinhar tem tanto charme quanto escrever. Quem não gosta do filme "Como água para chocolate", ou o próprio "Chocolate" mesmo por exemplo, melhor ir ler outro blog! :) . Eu vejo poesia nessa história de cozinhar e misturar ingredientes, encantar pessoas. E como ando em busca de poesia, resolvi revisitar um livrinho muito gostoso que eu adoro. E que ensina a fazer pão:

"Aprendi diversos tipos e uma só regra: fazer pão é como se apaixonar. É preciso sentir os ingredientes. A cócega que a farinha provoca na palma da mão, o deslizar da manteiga, o fermento que é fino mas pesa um pouco e gruda nas linhas das mãos. Depois, dedicar atenção à sova, ao amassar vigoroso. O repouso da massa aproxima os cozinheiros dos escritores. Assim como um texto precisa descansar as palavras por um tempo antes de ser apreciado por olhos alheios, a massa pálida do pão precisa ficar só para se fazer magia. Estufada, com o dobro do tamanho e uma textura areada está quase pronta. Dependendo do forno, dá para fazer até dois tipos de milagre ao mesmo tempo."


Cristiane Lisbôa. In: Papel manteiga para guardar segredos: cartas culinárias. Rio de Janeiro: Memória Visual, 2006. p.33

E eu estou procurando os dois outros livros da Cristiane Lisbôa, se alguém souber onde eu posso encontrar para comprar, me avisa!

One Art

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

-- Elizabeth Bishop

Primeiro vôo

Apesar de ser Pipa, eu não sei voar, mesmo que quase sempre eu tenha tantos sonhos em minha mente, que ela quase nunca fica quieta em um só lugar. Talvez tudo isso seja só uma tentativa de descobrir um caminho. Cheio de poesia, pode apostar.