sábado, 25 de dezembro de 2010

30 days book meme

Day 13 – Your favorite writer

Essa é uma pergunta difícil para quem ama ler, porque escolher um autor só é injusto, né? Com muito esforço eu consigo citar 5, mas não sem sentir meu coração apertado pelos que não citei. São eles: Inês Pedrosa, Alessandro Baricco, Amós Oz, Gabriel Garcia Marquez e Mario Benedetti.

Day 14 – Favorite book of your favorite writer

Da Inês Pedrosa, A eternidade e o desejo
De Baricco, Seda e Novecentos
De Amós Oz, A caixa preta
De Gabriel Garcia Marquez, Cem anos de solidão
De Mario Benedetti, A trégua

Day 15 – Favorite male character

Martin Santomé, em A trégua

Day 16 – Favorite female character

Paloma e Renée, em A elegância do ouriço

Day 17 – Favorite quote from your favorite book

Tarefa difícil para quem gosta de ler sublinhando aqueles trechos que merecem ser guardados para sempre...

"É isto que amo na leitura: uma pequena coisa o interessa num livro, e essa pequena coisa o leva a outro, e um pedacinho que você lê nele o leva a um terceiro. Isso vai em progressão geométrica - sem nenhuma finalidade em vista, e unicamente por prazer". pág.20
A sociedade literária e a torta da casca de batata

Day 18 – A book that disappointed you

O filho eterno, de Cristóvão Tezza

Day 19 – Favorite book turned into a movie

Novecentos, de Alessandro Baricco
Seda, de Alessandro Baricco
A elegância do ouriço, de Muriel Barbery
O amor nos tempos do cólera, de Gabriel Garcia Marquez
Ensaio sobre a cegueira, José Saramago


Day 20 – Favorite romance book


O amor nos tempos do cólera, de Gabriel Garcia Marquez

Day 21 – Favorite book from your childhood

Meu pé de laranja lima e Um presente para Cláudia.

Day 22 – Favorite book you own

Cabem em uma caixa grande.

Day 23 – A book you wanted to read for a long time but still haven’t

Crime e Castigo

Day 24 – A book that you wish more people would’ve read

Preconceito linguístico, de Marcos Bagno

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

30 days book meme

Day 07 – Most underrated book

Budapeste, de Chico Buarque. Não entendo porque as pessoas não gostam dele, eu amei.

Day 08 – Most overrated book

O filho eterno, de Cristóvão Tezza. Não entendo porque as pessoas gostam tanto dele. Não me conquistou.

Day 09 – A book you thought you wouldn’t like but ended up loving

A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera

Day 10 – Favorite classic book

Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia Marquez.

Day 11 – A book you hated

A dançarina de Izu, de Kawabata. Quase morri de tédio.

Day 12 – A book you used to love but don’t anymore

Não consigo me lembrar de nenhum!

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

30 days book meme

Como hoje já é dia 6, vou responder as 6 primeiras perguntas. Confesso que já começei a achar difícil dizer apenas 1 livro pra cada pergunta, mas vamos lá:

Day 01 – Best book you read last year

Um dos melhores de 2009 foi Travessuras da menina má, do Mario Vargas Llosa. Impossível de largar.

Day 02 – A book that you’ve read more than 3 times

A Máquina, da Adriana Falcão;
Novecentos, do Alessandro Baricco;
O conto da ilha desconhecida, do José Saramago
Novos contos da montanha, de Miguel Torga.
Só me lembro desses, não tenho o hábito de ler o mesmo livro mais de uma vez.

Day 03 – Your favorite series

As Brumas de Avalon. Sem dúvida inesquecível.

Day 04 – Favorite book of your favorite series

O primeiro volume das Brumas de Avalon, foi o que eu mais gostei.

Day 05 – A book that makes you happy

A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata. Tão bom que a gente fica com saudade quanto termina. É uma leitura leve e alegre, apesar do tema. Me identifico muito com esse livro e recomendo para todo mundo.

Day 06 – A book that makes you sad

Qualquer livro que fale sobre o holocausto. Esse ano li alguns como Night, de Elie Wiesel, Eu sou o último judeu e A trégua, e todos eles me deixaram super pra baixo. Chorei e cheguei a sentir enjôo de tanto que o livro mexeu comigo.

domingo, 5 de dezembro de 2010

30 days book meme

A Juliana lançou esse meme que eu adorei lá no blog dela, Woman reading with peaches. Vou respondendo aos pouquinhos, se eu conseguir, diariamente. Vamos?

Day 01 – Best book you read last year
Day 02 – A book that you’ve read more than 3 times
Day 03 – Your favorite series
Day 04 – Favorite book of your favorite series
Day 05 – A book that makes you happy
Day 06 – A book that makes you sad
Day 07 – Most underrated book
Day 08 – Most overrated book
Day 09 – A book you thought you wouldn’t like but ended up loving
Day 10 – Favorite classic book
Day 11 – A book you hated
Day 12 – A book you used to love but don’t anymore
Day 13 – Your favorite writer
Day 14 – Favorite book of your favorite writer
Day 15 – Favorite male character
Day 16 – Favorite female character
Day 17 – Favorite quote from your favorite book
Day 18 – A book that disappointed you
Day 19 – Favorite book turned into a movie
Day 20 – Favorite romance book
Day 21 – Favorite book from your childhood
Day 22 – Favorite book you own
Day 23 – A book you wanted to read for a long time but still haven’t
Day 24 – A book that you wish more people would’ve read
Day 25 – A character who you can relate to the most
Day 26 – A book that changed your opinion about something
Day 27 – The most surprising plot twist or ending
Day 28 – Favorite title
Day 29 – A book everyone hated but you liked
Day 30 – Your favorite book of all time

Achei!

(foto: Real Simple)


Definitivamente, encontrei a minha árvore de natal. Fala a verdade se não é a minha cara, gente? :)
O espírito natalino já está chegando por aqui. Ou não.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

De um amor maior ainda

Acho que tenho muitas manias. Quando leio um livro, tento não abrir muito as páginas para não machucá-lo. Sempre ao final parece novo, nunca lido. A não ser pelos sublinhados bem de leve nas partes que eu gosto mais, nos trechos mais bonitos. Mas tem que me encantar muito para eu fazer isso, não é em todo livro. Mas sempre tem uma lapiseira ao lado, e o meu moleskine de citações mais que lindas. Esses me acompanham sempre. Jamais dobro as páginas de um livro, acho isso um sacrilégio. Nunca, em hipótese alguma, vou deixar o livro aberto, emborcado para baixo, para marcar uma página (a minha irmã faz isso e me enlouquece. Acho que por conta de ficar tão aflita por isso, desenvolvi uma outra mania: ter muitos marcadores de livros. Faço o possível para nunca faltar um marcador perto dela, assim não tem desculpas para deixar os livros de castigo olhando pra baixo). Já cansei de comprar um livro pra mim e outro para dar de presente, porque também quero ter (acho que não sou a única). Também já fiz o exercício de ler os livros de uma biblioteca e não comprar todos de que gostei. Acho que dá certo.
Meu maior vício é não conseguir passar na frente de uma livraria e não entrar para olhar as estantes. Na livraria, enquanto olho as prateleiras, sou daquelas que consertam os livros que estiverem no lugar errado. Apago com uma borracha os riscos que encontrar em um livro de biblioteca (outro sacrilégio). Como sempre compro livros, a estante que eu tinha já não cabia mais. Então ganhei mais uma, igual, para colocar lado a lado. No final do ano passado. Hoje ela também já está lotada (porém organizada), mas ao lado de minha mesa já tem duas pilhas de livros, infelizmente no chão, porque eu não tenho mais lugar para colocar e o meu quarto ainda é o lugar mais seguro. Já doei um monte, só me arrependi de alguns. Já troquei um monte, também só me arrependi de alguns.
Organizo a estante de um jeito meu: antes tentei separar os autores nacionais dos estrangeiros, e acho que isso se mantém mais ou menos. Tem as prateleiras dos favoritos onde estão todos da Inês, todos do Baricco, grande parte dos da Clarice, da Adélia e do Saramago. Tem uma prateleira só de livros de culinária ou que falem desse amor por fazer magia. Tem uma prateleira só sobre livros que falam de livros e de leitura. Uma outra só dos livros sobre tradução (outra paixão minha). Tem uma prateleira só de livros em inglês e agora alguns também em alemão. Tem uma prateleira só dessa coleção linda da Alfaguara, com vários autores. Mas acho que tento sempre colocar os livros de determinado autor juntos. Engraçado que sei onde está tudo. Será que mais alguém gosta de ficar olhando para a estante quando está de bobeira pensando na vida ou é loucura só minha?
Assim que compro o livro, anoto o nome, local e data com um lápis na folha de rosto. Agora estou com a mania de colocar a nota fiscal dentro do livro (quem sabe para ver que estou gastando demais e diminuir as compras? não está dando muito certo...). Anoto todos os livros lidos no ano em um moleskine, isso depois do skoob, claro. Tenho mania de fazer listas dos livros que vou ler, que mudam sempre. Desejados, idem.
E o resto acho que vocês já sabem: eu empurro meus livros nas pessoas. Acho que eles têm um efeito terapêutico. Se um amigo desabafa sobre um assunto, sempre tenho um livro que vai servir para o que ele está sentindo. E depois voltam viciados: me indica mais um livro? :) E isso me deixa muito feliz. Escrevo sobre o que li para guardar, só para mim. Adoro dar livros de presente, fico sempre imaginando o que a pessoa vai gostar. Na minha casa não tem mais espaço e todo mundo reclama, mas eu digo que eles vão comigo para onde eu for. Mas não sei até quando, nem como. Tenho fases de desapego, e outras de querer guardar para os meus filhos, e elas se alternam. Mas uma coisa nunca muda: quando me perguntam o que eu quero ganhar de natal ou de aniversário, a resposta é sempre a mesma: livros! =]
E o meu paraíso é, sim, uma biblioteca.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Noite




Em 1944, Elie Wiesel e sua família, além de todos os judeus da região onde morava, foram levados para o campo de concentração de Auschwitz. "Night" narra todos os acontecimentos terríveis dessa crueldade sem tamanho, desde antes da chegada das tropas alemãs.
Foi uma surpresa pAra mim ler que os judeus foram levados para os campos sem resistir e sem saber o que os esparava por lá. Muitos deles acreditavam que estavam sendo levados para algum lugar um pouco mais distante do centro da guerra, um lugar mais seguro. Isso até chegar em Auschwitz.

Elie Wiesel perdeu a mãe e a irmã logo ao chegar ao campo de concentração. E durante todo o livro vemos a dor de uma criança e de um pai, ambos lutando contra a própria morte, para não se perderem um do outro. E vemos também que em condições tão absurdas, de uma imensa crueldade, o que prevalece é o instinto de sobrevivência de cada um.

Essa certamente não é uma leitura fácil, mas acredito que é indispensável. Por mais difícil que seja ler sobre algo tão doloroso. Mas, como diz o próprio Wiesel no livro: "esquecer não seria apenas perigoso, mas uma ofensa; esquecer os que morreram seria o mesmo que matá-los uma segunda vez".

Elie Wiesel recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 10 de dezembro de 1986 e o livro inclui ao final o discurso do autor quando recebeu o prêmio.

Definitivamente, um livro que merece ser lido.

"Sometimes I am asked if I know "the response to Auschwitz"; I answer that not only do I not know it, but that I don't know if a tragedy of this magnitude has a response. What I do know is that there is "response" in responsibility. When we speak of this era of evil and darkness, so close and yet so distant, "responsibility" is the key word.
The witness has forced himself to testify. For the youth of today, for the children who will be born tomorrow. He does not want his past to become their future". (do prefácio)

***

"Never shall I forget that night, the first night in camp, that turned my life into one long night seven times sealed.
Never shall I forget that smoke.
Never shall I forget the small faces of the children whose bodies I saw transformed into smoke under a silent sky.
Never shall I forget those flames that consumed my faith forever.
Never shall I forget the nocturnal silence that deprived me for all eternity of the desire to live.
Never shall I forget those moments that murdered my God and my soul and turned my dreams into ashes.
Never shall I forget those things, even were I condemned to live as long as God Himself.
Never."

Trecho extraído do livro "Night", de Elie Wiesel, sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz e ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1986.

A tradução livre a seguir é minha, apenas para facilitar a leitura de quem não lê em inglês:

"Nunca esquecerei aquela noite, a primeira no campo de concentração, que transformou a minha vida em uma noite sem fim.
Nunca esquecerei aquela fumaça.
Nunca esquecerei os rostos tão pequenos daquelas crianças, cujos corpos eu vi virarem fumaça sob um céu de silêncio.
Nunca esquecerei aquelas chamas que consumiram a minha fé para sempre.
Nunca esquecerei o silêncio noturno que destruiu por toda a eternidade o meu desejo de viver.
Nunca esquecerei aqueles momentos que assassinaram o meu Deus e a minha alma e transformaram em cinzas os meus sonhos.
Nunca esquecerei aquelas coisas, mesmo que estivesse condenado a viver tanto tempo quanto o próprio Deus.
Nunca."


domingo, 24 de outubro de 2010

A trégua

É isto mesmo uma trégua?

Apesar de ter o mesmo título, esse livro não tem semelhança nenhuma com A trégua do meu querido Mario Benedetti. Primo Levi foi um judeu italiano que foi preso em Auschwitz, o famoso campo de concentração nazista na época da guerra. A questão é que ele "sobreviveu" ao campo de concentração (e o livro nos faz pensar muito se é realmente possível sobreviver a tanta barbárie) e depois disso, como que para se libertar do sofrimento imenso que essa experiência lhe causou, ou pelo menos tentar, ele escreveu vários livros sobre o assunto.

Comecei por A trégua porque julguei que não seria tão pesado assim, já que ele narra os acontecimentos a partir do dia que a guerra acabou e que ele foi libertado. Um engano. Porque eu ingenuamente pensava que os sobreviventes voltaram para seus lares imediatamente após o término da guerra, e finalmente teriam um pouco de paz, mas não foi isso que ocorreu. Ele só conseguiu retornar para a Itália meses depois e, quando foi libertado, doente tanto fisicamente quanto emocionalmente, sem dinheiro, sem roupas adequadas, sem sapatos, tendo que caminhar no frio (e o frio da Polônia quer dizer neve) e lidar com a burocracia dos "vencedores", pois a dificuldade de voltar para sua terra natal era imensa devido ao rigor nas fronteiras, ao impecilho do idioma e também à natureza humana, entre outras coisas.

Um livro que me deixou sem dormir ontem, e que me levou às lágrimas algumas vezes, mas que considero indispensável. Não só para quem se interessa pela cultura e história da Alemanha (tenho tentado ler mais sobre o assunto para entender um pouco mais sobre o que escrevem os autores alemães, porque eles carregam esse peso e isso se reflete muito na literatura alemã, o que nem sempre a gente compreende), mas para todos nós, para que essas coisas nunca mais se repitam, para que a gente reflita sobre os absurdos da natureza humana.

Agora estou me preparando (e preparando as lágrimas, porque está aí um tema que acaba comigo e que dói demais de ler) para ler "É isto um homem?", livro do mesmo autor que narra todo o período em que o autor esteve preso em Auschwitz. Um dos relatos mais importantes sobre o Holocausto. Recomendo, mas aviso aos corações sensíveis como o meu que se preparem.

"Na subida para a fronteira italiana o trem, mais cansado do que nós, partiu-se em dois, como um fio demasiadamente esticado: muitos ficaram feridos, e essa foi a última aventura. No meio da noite, passamos o Brenner, que tínhamos atravessado para o exílio vinte meses antes: os companheiros menos sofridos, em alegre tumulto; Leonardo e eu, num silêncio transido de memória. De seiscentos e cinquenta, todos os que então partíramos, voltávamos três. E quanto perdêramos naqueles vinte meses? O que encontraríamos em casa? Quanto de nós fora corroído, apagado? Retornávamos mais ricos ou mais pobres, mais fortes ou mais vazios? Não sabíamos; mas sabíamos que nas soleiras de nossas casas, para o bem ou para o mal, nos esperava uma provação, e a antecipávamos com temor. Sentíamos fluir nas veias, junto com o sangue extenuado, veneno de Auschwitz: onde iríamos conseguir forças para voltar a viver, para cortar as sebes, que crescem espontaneamente durante todas as ausências, em torno de toda casa deserta, de toda toca vazia? Logo, amanhã mesmo, devíamos lutar contra inimigos ignorados, dentro e fora de nós mesmos: com que armas, com que energia, com que vontade?" [página 211]

LEVI, Primo. A trégua. São Paulo: Companhia de bolso, 2010.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Os íntimos


Sou uma grande fã da Inês Pedrosa e aguardei o lançamento desse livro com muita ansiedade. Saí correndo para ir até a livraria assim que recebi um email avisando que o meu exemplar já havia chegado. Isso seria algo normal se o email não tivesse chegado às 9 da noite e a livraria fechasse às 10. Não dava para esperar mais; estava com saudade de ler a Inês.

E coitada da Inês por ter que corresponder a uma expectativa tão alta assim, porque quase sempre quando a expectativa é alta dificilmente o livro, por melhor que seja, consegue nos satisfazer. Os críticos estão dizendo que "Os íntimos" talvez seja a melhor obra da Inês Pedrosa e devo dizer aqui que não concordo. Acho que o livro do desassossego da Inês, como ela mesmo diz, é o "Fazes-me falta". E na minha simples opinião de leitora, também o são o "Nas tuas mãos" e "A eternidade e o desejo". Esses sim são os melhores.

Em "O íntimos" vi uma Inês mais irônica, com mais humor, intercalando diferentes vozes e estilos narrativos para nos contar a história de cinco amigos que se reúnem em um bar de Lisboa para beber, assistir a um jogo de futebol e falar sobretudo de mulheres. Apesar de explorar o ponto de vista masculino nessa história, as mulheres continuam a permear todo o universo narrativo de Inês Pedrosa e mostram os conflitos e as dores mais profundas dos personagens. Mas acho que eu senti falta de uma dose maior de paixão. O livro não comove tanto quanto os outros três já citados, mas não deixou de ser interessante ver essa mudança na autora.

Posso dizer que os livros da Inês Pedrosa exercem certo encantamento sobre mim. Ler Os íntimos foi uma leitura prazerosa e, como sempre, eu fico com um gostinho de "quero mais".

"A mesma dor nunca é a mesma. Preciso do traço da caneta que liga o silêncio da morte às palavras da vida. Deixo-me ensopar pela chuva, como se flutuasse dentro de um céu arruinado. É uma sensação agradável. Reparo que o caderno de Jerusa, pendurado do bolso exterior da minha gabardina, está completamente ensopado. Ilegível. Não me pertencia. Porque insisti em copiá-lo, reescrevê-lo, romanceá-lo? Eu nem gosto de romances. Pretendia meter-me na cabeça de uma mulher. Arrogância? Estupidez: a cabeça de uma mulher, a cabeça de um homem. Classificações abstratas que nos impedem de ver o que existe: um formigueiro humano sem sentido algum". [p.197]

Inês Pedrosa. Os íntimos. Ed. Alafaguara, 2010.

Cavalos Roubados


"E afinal somos nós que decidimos quando vai doer"

Li essa semana o livro "Cavalos Roubados", do escritor norueguês Per Petterson, e achei interessante a história desse homem de 67 anos que busca o isolamento ao final de sua vida, mas que acaba se reencontrando com seu passado e suas lembranças. O livro tem uma prosa contida e intimista, e é bastante melancólico. Fala de perdas, de solidão, das coisas que não dizemos, mas que sentimos e, principalmente, das escolhas que fazemos em nossas vidas. O que eu mais gostei é que ele nos faz pensar nessa escolha que podemos fazer até nas situações mais difíceis pelas quais tenhamos que passar: "somos nós que decidimos quando vai doer".

Per Petterson. Cavalos roubados. Ed. Verus, 2010.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O Sr. Pip



Mais um livro que fala sobre o amor aos livros que me cativou. Um homem branco em uma ilha onde a população nativa é negra e onde uma guerrilha destrói a vida das pessoas. Enfrentando todos os preconceitos por ser o único branco do local, ele decide dar aulas para as crianças da região, que por conta dos conflitos não tinham mais escola há um bom tempo. É lendo um exemplar de Grandes Esperanças, um capítulo a cada aula, que ele ajuda aquelas crianças a criar um mundo novo, longe de todos os problemas e sofrimentos, onde possam sonhar. E então Pip, personagem principal da obra de Dickens, acaba por se tornar um amigo e muitas coisas acontecerão na aldeia por conta disso. O final do livro foi surpreendente para mim, não pude evitar as lágrimas nos olhos diante de situações tão tristes, mas mesmo assim ficou a sensação de esperança de que um livro pode realmente transformar a vida de muitas pessoas, mesmo em situações tão adversas, e que um professor, mesmo que não tenha o reconhecimento que mereça, provoca mudanças muito positivas em muitas vidas.
Achei o livro lindo e recomendo para todo mundo que gosta de ler. E se você já tiver lido Grandes Esperanças de Charles Dickens, melhor. Assim todas as referências serão identificadas com mais facilidade. Mas se ainda não leu, não tem problema. Tenho certeza de que depois de ler esse livro você procurará logo ler Grandes esperanças.

"É impossível fingir que está lendo um livro. Seus olhos irão traí-lo. Assim como sua respiração. Uma pessoa fascinada por um livro simplesmente se esquece de respirar. A casa pode pegar fogo, e o leitor mergulhado num livro só erguerá os olhos quando o papel de parede estiver em chamas". [pág. 168]

Lloyd Jones. O Sr. Pip. Editora Rocco, 2007. 272 páginas. Tradução: Léa Viveiros de Castro

Pequena Abelha


O livro chamou minha atenção não só por essa capa diferente, mas por seguir a linha do Menino do Pijama Listrado, em que não temos nenhuma informação sobre a história de fato na capa e contra-capa. A única coisa que sabemos é que duas mulheres, com vidas completamente diferentes, se encontram e esse encontro mudará suas vidas para sempre.
Não quero contar muito sobre a história para não estragar a expectativa de quem pretende ler, mas eu gostei muito da forma como o livro é escrito, intercalando as vozes das duas personagens. E gostei principalmente do início, quando o autor fala sobre a linguagem como instrumento de poder, de dominação. Apesar de ser uma história fictícia, acho que ela se baseia em histórias de vidas de pessoas reais, que sofrem horreres que nós, em nosso mundo tão confortável, nem chegamos a imaginar ser possível. Algumas passagens chocam pela crueldade e brutalidade que nós sabemos que infelizmente ainda hoje habitam os corações dos homens. Mas mesmo nesses momentos dá pra sentir um desejo de viver e de ter esperança na vida e nas pessoas. Uma história bem triste, mas que certamente nos faz pensar um pouco nessas zonas de conflito que raramente são noticiadas nos jornais, ou quando são noticiadas isso é feito com superficialidade, mas que continuam a existir.

""Nas pernas escuras da moça havia muitas cicatrizes brancas pequeninas. E pensei: Será que essas cicatrizes estão no seu corpo inteiro, como as luas e as estrelas no seu vestido? Achei que isso também seria bonito, e peço-lhe nesse instante que faça o favor de concordar comigo que uma cicatriz nunca é feia. Isto é o que aqueles que produzem as cicatrizes em nós querem que pensemos. Mas você e eu temos de fazer um acordo e desafiá-los. Temos de ver todas as cicatrizes como algo belo. Combinado? Este vai ser nosso segredo. Uma cicatriz significa: "Eu sobrevivi". [pág. 17]"

Chris Cleave. Pequena Abelha. Ed. Intrínseca, 2010. 272 páginas. Tradução: Maria Luiza Newlands

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Medo

"Marcelo adormecia logo a seguir a fazer amor. Dobrava a almofada entre as pernas e tombava no sono. Eu ficava só, desperta, ruminando o tempo. No início via na atitude de Marcelo um sinal de insuportável egoísmo. Depois, já muito tarde, entendi. Os homens não olham as mulheres que acabaram de amar porque têm medo. Têm medo do que podem encontrar no fundo dos olhos delas."

Mia Couto. Antes de nascer o mundo. Companhia das letras, 2009. pág. 142

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Vocação

"A família, a escola, os outros, todos elegem em nós uma centelha promissora, um território em que poderemos brilhar. Uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros. Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo silêncio é música em estado de gravidez."

Mia Couto. Antes de nascer o mundo. Companhia das letras, 2009. pág. 13

terça-feira, 20 de julho de 2010

Um velho que lia romances de amor



Um pequeno grande romance, é o que posso dizer de "Um velho que lia romances de amor". Com um título que desperta a curiosidade do leitor e que representa um pouco da ternura que podemos encontrar nas páginas dessa história, Luis Sepúlveda, escritor chileno, nos presenteia com um protagonista singular e realmente apaixonante, que um dia se deparou com a literatura e se apaixonou pelas histórias. Mas não qualquer história, apenas histórias de amor.

O livro tem como pano de fundo a tragédia da devastação ambiental e nos faz refletir sobre o avanço insensato da civilização sobre a Natureza, já que toda a história se passa em plena Floresta Amazônica. 
Eu realmente me encantei pelo livro, por conseguir passar uma ternura e uma nostalgia pela sabedoria dos mais velhos, que hoje em dia quase sempre não é mais respeitada; por essa sabedoria antiga e quase intuitiva que existia antigamente de coexistir, homem e natureza, em um mesmo território, cada um respeitando seu poder e sua força; mas principalmente me encantei pela forma como o Luis Sepúlveda consegue descrever esse encantamento pela literatura.

"Como fazia parte do primeiro turno, o velho tomou posse da lamparina. Seu companheiro de vigília o olhava, perplexo, percorrendo com a lupa os signos ordenados no livro.
- É verdade que você sabe ler, compadre?
- Um pouco.
- E o que está lendo?
- Um romance. Mas fique quieto. Quando você fala a chama se move e as letras ficam dançando.
O outro se afastou para não incomodar, mas era tanta a atenção que o velho dispensava ao livro que não suportou ficar à margem.
- De que se trata?
- Do amor.
Diante da resposta do velho, o outro se aproximou com interesse renovado.
- Não me goze. Com fêmeas bonitas, fogosas?
O velho fechou o livro de repente, fazendo vacilar a chama da lamparina.
- Não. Trata-se de outro amor. Do que dói."

Luis Sepúlveda. Um velho que lia romances de amor. Relume Dumará, 2006. 136 páginas.

Link para o filme "Um velho que lia romances de amor"

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Uma real leitora


Sempre me interesso pelos livros que falam do amor aos livros e do quanto a leitura pode mudar a vida das pessoas para melhor. No caso de "Uma real leitora", achei que o livro superou minhas expectativas. A história é divertida e bem gostosa de ler, e muito bem inventada, pois ficamos mesmo com a impressão de que a personagem principal é a rainha da Inglaterra. Na história, a rainha, cuja vida era muito desinteressante, descobre o prazer da leitura e passa a ler cada dia mais, mudando muito a rotina da vida no palácio. Com isso, passa a se interessar cada dia menos pelos eventos da realeza para poder desfrutar de uma boa leitura. Além disso, a leitura lhe permite refletir mais sobre sua função. À medida que lê, cada dia sente mais vontade de encontrar pessoas com quem possa conversar sobre os livros, mas as pessoas ao seu redor não se interessam nem um pouco pela leitura. Qualquer semelhança com a realidade dos muitos leitores apaixonados que existem por aí não é uma mera coincidência. Apesar de ter ficado um pouquinho decepcionada com o final, acho que o livro vale a pena principalmente se você for apaixonado por livros. Garanto que a identificação em determinadas situações descritas no livro será imediata :)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Mar

Certos dias precisam de um poema para conseguir ganhar asas. Hoje eu vou de Sophia de Mello Breyner Andresen:

Mar

Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.

terça-feira, 6 de julho de 2010

A louca da casa



"Falar de literatura, então, é falar da vida; da própria vida e da vida dos outros, da felicidade e da dor. E é também falar do amor, porque a paixão é o maior invento das nossas existências inventadas, a sombra de uma sombra, a pessoa adormecida que sonha que está sonhando. E bem lá no fundo de tudo, para além das nossas fantasmagorias e dos nossos delírios, momentaneamente contida por esse punhado de palavras tal como o dique de areia de um menino contém as ondas da praia, surge a Morte, tão real, mostrando suas orelhas amarelas."

Rosa Montero. A Louca da Casa. Rio de Janeiro: Ed. Agir, 2008. pág. 12


Depois de ter lido a resenha da minha amiga Sandra, a quem serei sempre grata por essa indicação, mesmo que involuntária, fiquei desejando ler "A louca da casa" e conhecer um pouco da Rosa Montero, cujo trabalho desconhecia. Mas o livro estava esgotado e eu não conseguia encontrá-lo. Eis então que ele vem parar nas minhas mãos por meio de uma troca no Skoob, o que me fez acreditar ainda mais na frase que li um tempo atrás em "A sociedade literária e a torta de casca de batata": "talvez haja algum instinto secreto nos livros que os leve a seus leitores perfeitos", e por perfeitos aqui eu entendo como sendo aqueles que mais os desejam.
O fato é que me apaixonei pela forma como a Rosa Montero fala de literatura, sobre a arte de escrever e principalmente com a forma com que ela nos dá exemplos no livro do poder da imaginação. Acho que todos os escritores, ou os que pretendem ser escritores um dia, têm muito a ganhar com a leitura desse livro e com a reflexão maravilhosa que a Rosa Montero faz. E mesmo que escrever não seja seu objetivo, acredito que os leitores apaixonados também vão curtir essa viagem pelo universo da literatura na companhia da Rosa Montero. Recomendo!

"A literatura é um caminho de conhecimento que precisamos percorrer carregados de perguntas e não de respostas". [pág. 43]

"Um leitor tem uma vida muito mais longa que as outras pessoas, porque não morre antes de acabar o livro que está lendo". [pág.143]

"A morte também é leitora, por isso recomendo ter sempre algum livro na mão, porque assim quando a morte chega e vê o livro, se espicha toda para ver o que você está lendo, como eu faço no ônibus, e então se distrai". [pág. 143]

sábado, 26 de junho de 2010

Poesia quase domingueira

TÁTICA E ESTRATÉGIA

Minha tática é te olhar
aprender como és
te querer como és
Minha tática é te falar
E te escutar
Construir com palavras
Uma ponte indestrutível
Minha tática é
Ficar em tua lembrança
Não sei como
Nem sei com que pretexto
Mas ficar contigo
Minha tática é ser franco
E saber que tu és franca
E que não nos vendamos
Fingimentos
Para que entre nós
Não haja véus nem abismos
Minha estratégia é em troca
Mais profunda e mais simples
Minha estratégia é
Que um dia qualquer
Não sei como
Nem sei com que pretexto
Enfim de mim precises.

MARIO BENEDETTI

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Navegante

De mim
exijam pouco...

Pois o tempo
que me resta
é louca busca
de como atravessar
o Sol...

Damário da Cruz, poeta baiano

domingo, 23 de maio de 2010

Previsão metereológica

Previsão metereológica

Nenhum
dia é triste!
Nós é que chovemos
na hora errada.

Damário da Cruz
In Segredo das Pipas

sexta-feira, 21 de maio de 2010

O último vôo


Li em algum lugar hoje que o poeta baiano Damário da Cruz fez seu último vôo na madrugada dessa sexta feira. Logo ele que fez voar tantas palavras, e até criou um lugar especial para pousá-las, na cidade de Cachoeira, no interior da Bahia. E de lá do Pouso da palavra, meu pai há alguns anos trouxe de presente pra mim um poema-cartaz lindo, que passou a ser um dos meus favoritos e que por muito tempo habitou as paredes de meu quarto. São palavras que conseguem voar com tanta suavidade e que dizem tanto, que certamente não serão esquecidas. E tenho certeza de que esse não foi o último vôo de Damário da Cruz. Apenas mais um vôo dos muitos que ainda virão.

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O Poeta e jornalista Damário da Cruz, morreu na madrugada desta sexta-feira (21) no Hospital Jorge Valente, em Salvador. Ele vinha realizando há meses um tratamento contra câncer de pulmão. Poeta e jornalista, o corpo dele está sendo velado até o meio-dia no Cemitério Jardim da Saudade na capital.

No início da tarde, segue para Cachoeira, cidade em que vivia, onde será velado no prédio da Câmara de Vereadores e, em seguida, sepultado no Cemitério da Piedade. (Fonte: Correio da Bahia)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A canção de Kahunsha


Um livro extremamente triste e doloroso. Perturbador, eu diria, por nos tirar de nosso comodismo e nos transportar para a realidade cruel de tantas crianças, não apenas na Índia, como contado no livro, mas em nosso próprio país. E é angustiante ver crianças cheias de sonhos e esperanças, com os corações puros, serem atropeladas pela vida e pela brutalidade dos homens.
Em A Canção de Kahunsha sofremos ao acompanhar a história de Chamdi, um garoto de 10 anos que vive em um orfanato em Bombaim onde, ainda bebê, foi abandonado pelo pai. Após sobreviver durante anos em condições bem simplórias, o orfanato será fechado e Chamdi decide antes disso fugir e ir em busca de seu pai. E essa esperança de encontrar o pai que o abandonou infelizmente o levará para as ruas violentas de Bombaim, onde a pobreza predomina e as crianças deixam de ser crianças cedo demais.
Um livro de cortar o coração. Não só por nos mostrar sem eufemismos a dura realidade da vida nas ruas em uma cidade que não fica muito distante das nossas, mas por nos sacudir com a esperança e o olhar sempre em busca de sonhos e de coisas belas que um menino consegue manter mesmo diante das maiores dificuldades.

Anosh Irani. A canção de Kahunsha. Ed. Planeta, 2008.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Preciosa


Os livros que conseguem nos transportar para uma outra realidade que felizmente desconhecemos têm o poder de nos sacudir, de nos tirar de nossa zona de conforto. Imaginar que histórias como a de Preciosa são reais é difícil de engolir, porque de tão cruel e por vezes absurda, não queremos verdadeiramente acreditar que sejam possíveis. E o que achei mais bonito foi o livro mostrar que a saída para a vida tão complicada e tão sofrida que essa menina vivia era aprender a ler e a escrever para ter diante de si um mundo infinito de possibilidades e de sonhos. É através de uma escola alternativa e de uma educadora (professor ela teve oportunidade de encontrar vários, mas educador ela só encontrou um, a Srta. Rain) que Preciosa conseguirá finalmente encontrar um apoio, que conseguirá recuperar a sua dignidade. Um livro difícil de ler por conta da linguagem, já que em uma belíssima estratégia de tradução o tradutor optou por manter no texto os erros de grafia da personagem, que no início do livro era analfabeta, dando veracidade ao texto e fazendo a gente mergulhar na história e com isso acompanhar o desenvolvimento da escrita de Preciosa durante o livro. Também é difícil de ler porque tem que ter "estômago" para aguentar certas cenas, mas é um livro bonito porque, ao meu ver, passa uma mensagem de esperança mesmo entre tantos infortúnios que não só Preciosa, como também as outras meninas da história, tiveram que enfrentar. Preciosa é sim uma história muito sofrida, um choque de realidade, mas é também uma história de redenção.

Sapphire. Preciosa. Rio de Janeiro: Record, 2010. Trad. Alves Calado

domingo, 16 de maio de 2010

A Trégua


Um grande amor pode ser uma trégua na vida

Depois de ler "A Trégua" do Mario Benedetti, não consegui ler nenhum outro livro hoje, como pretendia ter feito. Parece que a história ainda estava em mim e nada mais cabia. Tampouco conseguia dizer algo sobre o que li, como se quisesse guardar todas as palavras, todos os sentimentos contidos nesse pequeno livrinho só para mim. Danniel Pennac, em Como um romance, um outro favorito, diz, na página 75, que: "Aquilo que lemos, calamos. O prazer do livro lido, guardamos, quase sempre, no segredo de nosso ciúme. Seja porque não vemos nisso assunto para discussão, seja porque, antes de podermos dizer alguma coisa, precisamos deixar o tempo fazer seu delicioso trabalho de destilação. E este silêncio é a garantia de nossa intimidade. O livro foi lido, mas estamos nele, ainda.Lemos e calamos. Calamos porque lemos". E Pennac tem toda razão. Certos livros despertam em nós tantos sentimentos que, como leitores, temos todo o direito de nos calar, de nada dizer. Permaneço em silêncio, porque o livro ainda está em mim, sendo destilado lentamente. Que ele seja uma pequena "trégua" no meu dia. Mas recomendo esse livro com todas as estrelas, o melhor do Benedetti que eu já li até hoje. Pela sutileza, pela forma delicada com que ele constrói um personagem emocionalmente tão complexo, com que ele traça sua solidão, sua redescoberta do amor depois de tanto tempo. Acho que esse é um livro que não envelhece nunca por falar de sentimentos atemporais que, ao meu ver, fazem parte da vida dos grandes centros urbanos, independente do país ao qual pertençam. Reitero meu encantamento por esse escritor uruguaio que consegue por no papel todas as vozes e todos os silêncios de um coração.

Mario Benedetti. A Trégua. Porto Alegre: L&PM, 2008.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Livros e amigos

"Se a leitura não é um ato de comunicação imediata, é, certamente, um objeto de partilhamento. [...] Aquilo que lemos de mais belo deve-se, quase sempre, a uma pessoa querida. E é a essa mesma pessoa querida que falamos primeiro. Talvez porque, justamente, é próprio do sentimento, como do desejo de ler, preferir. Amar é, pois, fazer dom de nossas preferências àqueles que preferimos. E esses partilhamentos povoam a invisível cidadela de nossa liberdade. Somos habitados por livros e amigos."
Daniel Pennac. Como um romance. L&PM, 2008.

Momo e o senhor do tempo


Às vezes, basta um trechinho de um livro para despertar em nós o desejo de ler. Foi assim com Momo, quando tive a oportunidade de ler um pequeno trecho na minha aula de alemão. E desejando ler a história inteira, saí em busca do livro, feito uma criança. Não me arrependi.
Enganam-se os que talvez estejam torcendo o nariz para o livro se pensam que é um livro apenas para crianças só porque pode ser encontrado na seção de livros juvenis das livrarias. Não é. A história de Momo nos faz pensar sobre o tempo e sobre os tempos modernos de uma forma tão delicada e tão bonita que pode ser muito útil para muitos adultos dos dias de hoje. Felizes as crianças que puderem lê-lo, mas talvez mais felizes sejam os adultos que possam se reencontrar ao ler esse livrinho amarelo.
É um favorito.


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"Existe um mistério muito grande que, no entanto, faz parte do dia-a-dia. Todos os seres humanos participam dele, embora muito poucos reflitam sobre ele. A maioria simplesmente o aceita, sem mais indagações. Esse mistério é o tempo.
Existem calendários e relógios que o medem, mas significam pouco, ou mesmo nada, porque todos nós sabemos que uma hora às vezes parece uma eternidade e, outras vezes, passa como um relâmpago, dependendo do que acontece nessa hora. Tempo é vida. E a vida mora no coração." [pág.53]
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“Es gibt ein groβes und doch ganz alltägliches Geheimnis. Alle Menschen haben daran teil, jeder kennt es, aber die wenigsten denken je darüber nach. Die meisten Leute nehmen es einfach so hin und wundern sich kein bisschen darüber. Dieses Geheimnis ist die Zeit. Es gibt Kalender und Uhren, um sie zu messen, aber das will wenig besagen, den jeder weiβ, dass einem eine einzige Stunde wie eine Ewigkeit vorkommen kann. […] Denn Zeit ist Leben. Und das Leben wohnt im Herzen.”

Michael Ende. Momo e o senhor do tempo. Martins Fontes, 1995. 

segunda-feira, 29 de março de 2010

Despedidas

"O mundo tinha aquele cheiro da terra depois de chover e também o terrível cheiro das despedidas. Não gosto de despedidas porque elas têm esse cheiro de amizades que se transformam em recordações molhadas com bué de lágrimas. Não gosto de despedidas porque elas chegam dentro de mim como se fossem fantasmas mujimbeiros que dizem segredos do futuro que eu nunca pedi a ninguém para vir soprar no meu ouvido de criança.

Desci. Sentei-me perto, muito perto da Avó Agnette.
Ficámos a olhar o verde do jardim, as gotas a evaporarem, as lesmas a prepararem os corpos para novas caminhadas. O recomeçar das coisas.

- Não sei onde é que as lesmas sempre vão, avó.
- Vão para casa, filho.
- Tantas vezes de um lado para o outro?
- Uma casa está em muitos lugares - ela respirou devagar, me abraçou. - É uma coisa que se encontra."

Ondjaki. Os da minha rua. Rio de Janeiro: Língua geral, 2007. pág. 146

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É um livro que recomendo para leitores de todas as idades. Porque vale a pena relembrar e reviver essa época de olhos miúdos que brilhavam de esperança, mesmo que seja por alguns instantes.

"Antigamente as pessoas eram pessoas de chegar. Não sabíamos fazer despedidas". [pág. 137]

sexta-feira, 12 de março de 2010

Para aquecer corações




Ontem, passeando por uma das livrarias da cidade, vi o livro Escola dos sabores. Compulsiva por livros que sou, comprei e o livro superou minhas expectativas. Achei a história tão delicada e doce que li ontem à noite de uma vez só.

É no curso de culinária, que acontece na segunda-feira à noite de cada mês no restaurante da chef Lílian, que oito pessoas se encontrarão para aprender a cozinhar. Cada uma delas com um motivo diferente para estar lá, cada uma com sua história, com suas dores.

À medida que as aulas se passam, vamos conhecendo cada uma das personagens e cada um deles encontrará nas refeições, no prepraro cuidadoso dos alimentos, aquilo que seu coração precisa.

Um livro que fala dessa arte que requer tanta sensibilidade quanto escrever que é a culinária e que, feito mágica, consegue aquecer o coração das pessoas. Uma história que fala de amizades, de superação, de encontros e reencontros, de se descobrir outra vez depois de muito tempo. Uma história de pessoas reais, que nos presenteia com o universo encantado de uma cozinha, com seus aromas que trazem lembranças, com suas texturas que lembram sensações, com sabores que nos enchem de vida.

Livro para quem acredita no poder que os alimentos preparados com carinho têm para aproximar pessoas, curar dores da alma e aquecer corações.

Recomendo principalmente para quem gosta de fazer mágica na cozinha e aquecer corações.

Erica Bauermeister. Escola dos sabores. Rio de Janeiro: Sextante, 2010. Trad. Fernanda Abreu.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Eu sou.

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
(dor não é amargura).
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Licença Poética (Adélia Prado)
Poema extraído do livro "Bagagem", 1976

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Onde você estiver.

"O essencial é adaptar-se. Já sei que com essa idade é difícil. Quase impossível. E contudo. Afinal de contas, meu exílio é meu. Nem todos têm um exílio próprio. A mim quiseram empurrar um alheio. Tentativa inútil. Transformeio-o em meu. Como foi? Isso não importa. Não é um segredo nem revelação. Eu diria que é preciso começar apoderando-se das ruas. Das esquinas. Do céu. Dos cafés. Do sol, e o que é mais importante, da sombra. É somente quando alguém chega a perceber que uma rua não lhe é estrangeira que a rua pára de vê-lo como um estranho. E assim com todo o resto."

Mario Benedetti. Primavera num espelho partido. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. pág. 17

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Para pensar.

"De tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega a rir-se da honra, a desanimar-se da justiça e a ter vergonha de ser honesto."

Rui Barbosa

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Dica

Dois blogs que eu amo e que valem a pena conhecer. Gente que escreve feito gente grande:

Eduardo Baszczyn
http://coisasdagaveta.blogspot.com/

Cris Lisboa
http://cristianelisboa.wordpress.com/

Meu presente de hoje pra vocês.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Sempre Clarice.

"Quero escrever-te como quem aprende. Fotografo cada instante. Aprofundo as palavras como se pintasse, mais do que um objeto, a sua sombra. Não quero perguntar porque, pode-se perguntar sempre por que e sempre continuar sem resposta: será que consigo me entregar ao expectante silêncio que se segue a uma pergunta sem resposta? Embora advinhe que em algum lugar ou em algum tempo existe a grande resposta para mim.
E depois saberei como pintar e escrever, depois da estranha mas íntima resposta. Ouve-me, ouve o silêncio. O que te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa e no entanto vivo dela e estou à tona de brilhante escuridão."

Lispector. Clarice. Água Viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. pág. 14

Trecho do livro Água Viva, de Clarice Lispector. Uns dos livros mais lindos que já li de Clarice. Porque Clarice sempre sabe o que diz. E me entenderia.

One.



Porque em dias assim, quando meu coração fica triste e de saco cheio de muita coisa errada que eu vejo por aí, só U2 me salva.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A sociedade literária e a torta de casca de batata



Sempre gostei de escrever cartas. Elas contam tantas histórias, aproximam tanto as pessoas, que acho uma pena que quase ninguém mais as escreva. Os livros contados por meio de cartas, chamados de romance epistolar, sempre foram para mim um atrativo a mais. Quem não gostaria de ter permissão para ler as cartas que outros receberam? Contado através de cartas, A sociedade literária e a torta de casca de batata é um livro feito a quatro mãos. Começou a ser escrito pela bibliotecária Mary Ann Shaffer, já com mais de 70 anos de idade, e terminou de ser escrito por Annie Barrows, sobrinha de Mary Ann. A bibliotecária infelizmente não chegou a ver o livro terminado, nem o sucesso que ele alcançou no mundo inteiro, pois faleceu em 2008. Mas a história criada por Mary Ann continua encantando leitores de todas as idades. Dizem que os direitos foram comprados por Hollywood e que será transformado em filme ainda esse ano.

Um livro com amizades tão bonitas, que talvez você fique até triste por perceber que nunca teve uma amizade assim. Amizades nascidas em uma sociedade literária (que tem um nome esquisito mesmo, que dá título ao livro, mas pode apostar que você só vai querer saber a razão do nome quando estiver lendo). 

Um livro que fala do quanto os livros, a arte, a poesia, podem mudar a vida da gente. E esse amor pelos livros está em cada página. É certamente um dos livros mais doces que eu já li. Por que nele eu vi muitas coisas bonitas nas quais acredito. Por que ele certamente me lembrará dessas coisas bonitas. Por que eu gostaria muito de escrever cartas para esses amigos e falar com eles sobre os livros de que gostei ou sobre qualquer outra coisa. E a parte mais dura da história talvez seja se convencer de que esses personagens foram mesmo inventados, de tão verdadeiros que eles são.

Um livro que fala sobre guerra, pois a ilha onde os habitantes da sociedade literária moraram, a ilha de Guernsey, foi ocupada pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. E as coisas horríveis que aconteceram nessa época, e com as quais já nos horrorizamos tantas vezes, aparecerão na história sim e, se você for como eu, vai chorar sempre pela dor dos que sofreram. Mas em muitas outras páginas, na maioria delas, acredito, você vai se ver com o livro nas mãos e sorrindo. E quando você terminar de ler, certamente se sentirá feliz.

Um livro para ser lido e para ser dado de presente para aqueles amigos que compartilham com a gente o amor pela leitura, porque, como a autora diz "talvez haja algum instinto secreto nos livros que os leve a seus leitores perfeitos". Talvez eu não seja a leitora perfeita, mas certamente sou uma das mais apaixonadas. E eu fico feliz que esse livro tenha chegado às minhas mãos.

"É isto que amo na leitura: uma pequena coisa o interessa num livro, e essa pequena coisa o leva a outro, e um pedacinho que você lê nele o leva a um terceiro. Isso vai em progressão geométrica - sem nenhuma finalidade em vista, e unicamente por prazer". pág.20

Mary Ann Shaffer; Annie Barrows. A sociedade literária e a torta de casca de batata. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. 304 páginas