domingo, 22 de setembro de 2013

Primavera num espelho partido

Este foi o meu primeiro livro do escritor uruguaio Mario Benedetti e confesso que me apaixonei por sua escrita apaixonada.
A história gira em torno de Santiago, preso durante a ditadura uruguaia, e Graciela, sua mulher. De um lado temos Santiago, que de dentro da prisão sente que o tempo parou e se alimenta das lembranças, sempre descritas com muita sensibilidade, para suportar a vida na cadeia. Do outro temos Graciela, que se muda para a Argentina com sua filha Beatriz e tenta reconstruir sua vida, enquanto espera durante anos que o seu marido seja libertado. Mas a distância e o tempo agem sobre o amor de Graciela e nós, leitores, sofremos por ver os dois caminharem em direção oposta.
Além desses dois, o livro intercala outras vozes como a de Beatriz, filha de Santiago, que encanta em seus comentários com uma visão infantil e inocente que nos emociona e muitas vezes nos faz rir; e Dom Rafael, pai de Santiago, por quem me apaixonei. As partes mais bonitas do livro são quando ele fala, e são sempre cheias de poesia.

Temos também a voz do próprio Benedetti, que em certos momentos narra acontecimentos e memórias de seu próprio exílio.

Vale a pena ler.

"Às vezes os jovens têm uma coragem à prova de bala e, no entanto, não possuem um ânimo à prova de desencantos. Se pelo menos eu e outros veteranos pudéssemos convencê-los de que sua obrigação é só a de continuarem jovens. Não envelhecer de saudade, de tédio ou de rancor, mas continuar jovens, para que na hora da volta voltem como jovens e não como resíduos de rebeldias passadas. Como jovens, quer dizer, como vida". [pág. 170]

"O essencial é adaptar-se. Já sei que com essa idade é difícil. Quase impossível. E contudo. Afinal de contas, meu exílio é meu. Nem todos têm um exílio próprio. A mim quiseram empurrar um alheio. Tentativa inútil. Transformeio-o em meu. Como foi? Isso não importa. Não é um segredo nem revelação. Eu diria que é preciso começar apoderando-se das ruas. Das esquinas. Do céu. Dos cafés. Do sol, e o que é mais importante, da sombra. É somente quando alguém chega a perceber que uma rua não lhe é estrangeira que a rua pára de vê-lo como um estranho. E assim com todo o resto." [pág. 17]

Mario Benedetti. Primavera num espelho partido. Rio de Janeiro: objetiva, 2009. 218 páginas.

2 comentários:

mm amarelo disse...

É forte a citação sobre o exílio. Gostei da parte de transformar o exílio imposto em algo seu, de se apoderar das coisas, da cidade, da vida. A rua deixando de vê-lo como estranho é outra coisa linda.
Gostei Pipa, mais uma indicação apaixonante.
beijo grande,
Maira

Pipa disse...

Eu adoro o Benedetti, Maira. Esse livro é muito bonito, muito poético, eu gosto bastante. Depois de A trégua, que é o meu favorito do Benedetti vem esse :)

beijos,

Pipa