"Uma vez uma jovem jornalista quis saber porque é que eu escrevia. Os jornalistas menos experientes costumam perguntar isto a quem escreve, para ganhar tempo, enquanto pensam no que vão perguntar em seguida. Há quem assuma, com ar trágico, que a literatura é um destino: "Escrevo para não morrer." Outros fingem desvalorizar o próprio ofício: "Escrevo porque não sei dançar." Finalmente existem aqueles, raros, que preferem dizer a verdade: "Escrevo para que gostem de mim." (o português José Riço Direitinho) ou "Escrevo porque não tenho olhos verdes." (o brasileiro Lúcio Cardoso). Podia ter respondido alguma coisa deste gênero, mas decidi pensar um pouco, como se a pergunta fosse séria, e para minha própria surpresa encontrei um bom motivo: "Escrevo porque quero saber o fim." Começo uma história e depois continuo a escrever porque tenho de saber como termina. Foi também por isso que fiz esta viagem. Vim à procura de um personagem. Quero saber como termina a história dele." (Página 12)
A literatura de viagens não é coisa fácil. Fico sempre receosa se eu também, ao ler o livro, vou conseguir viajar pelos mesmos lugares em que o autor esteve, na minha imaginação. Quando vi esse livro na livraria há um tempo atrás, decidi comprá-lo simplesmente porque era Agualusa e isso para mim bastava para ter entrada livre na minha estante. Depois que li Milagrário Pessoal, principalmente, ele tem entrada livre para a minha estante de favoritos.
Hoje estava querendo viajar um pouco, passear por lugares distantes, talvez para fugir um pouco do calor. E nas palavras de Agualusa, a viagem foi muito prazerosa. Logo de cara nos deparamos com um texto que tem essa poesia que amo, poesia de quem tem uma sensibilidade para capturar e descrever nuances dos lugares, das cores, dos cheiros, do jeito de olhar das pessoas. Agualusa nos transporta por essa aventura exótica pelos caminhos de Goa, e já não sabemos o que é literatura de viagem e o que é ficção. Ao mesmo tempo, temos o prazer da companhia do autor, que mostra um pouco mais da sua relação com a escrita, com a literatura e com seu processo de criação neste livro, que dá a impressão de ser um diário da realidade (ou da imaginação):
"Escrevi, há três ou quatro anos, um conto que começava assim. Muita gente me perguntou se a história era verdadeira. Costumo insinuar, quando a propósito de outras histórias me colocam idêntica pergunta, que já não sei onde ficou a verdade - embora me recorde perfeitamente ter inventado tudo do princípio ao fim. Naquele caso fiz o contrário. "Tretas", menti, "pura ficção". Disse isso porque queria encontrá-lo. Inventei um nome para ele, ou nem isso, dei-lhe o nome de outro homem". (página 13)
Mais adiante, na página 52, o autor diz:
"Começo imediatamente a associar frases soltas, ocorrências, pormenores. É um vício intelectual. Deem-me dois ou três fatos, ou nem isso, apenas vagos indícios, e eu construo um romance. Aliás, quanto menos fatos melhor, a realidade atrapalha a ficção".
E na página 147, cita o sábio conselho de outro grande escritor que vale a pena anotar:
"Não se esqueça que o medo, como dizia Hemingway, é quase sempre uma falta de capacidade para suspender a imaginação."
Esse tom de diário, que comenta desde a melancolia de certos lugares que o agradam (agradam-me também) ao fato de sofrer por ser pontual (acontece comigo também!), nos aproxima do autor. E compartilhamos o mesmo amor pelos livros:
"Passava pela Praça da Igreja, em Pangim, quando vi os livros. Sou atraído por livros assim como outros homens são atraídos, sei lá, por um par de pernas morenas de mulher. Um par de pernas, eventualmente, também me atraem - mas os livros atrem-me sempre". (página 79)
Gostei muito de ter lido hoje Um estranho em Goa. Agualusa diz que "Viajar é perder pessoas", e talvez seja de certa forma assim. Mas é no talento de escritores como ele que essas pessoas se eternizam e podem viajar conosco sempre que o livro for reaberto. Porque nem sempre lemos para saber o final. Às vezes, o mais importante é a viagem em si.
José Eduardo Agualusa. Um estranho em Goa. Rio de Janeiro: Gryphus, 2010. 159 páginas.
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