“Um homem chegou aos quarenta anos
e assumiu a tristeza de não ter um filho”. É assim que começa o romance O
Filho de Mil Homens (Cosac Naify, 2012) do escritor angolano Valter Hugo Mãe,
vencedor do Prêmio José Saramago em 2007.
O livro conta a história de um pescador de quarenta anos que vive em uma
aldeia onde os sonhos são anulados pela dura realidade e que sente uma
imensa vontade de ter filhos. Tudo gira em torno dessa vontade de ter um filho
e do quanto isso significa que acreditamos em um mundo melhor. A esperança
transborda de forma poética em cada página e, um dia, o Crisóstomo, personagem
central da história, encontra o órfão Camilo e o adota como filho. A partir de
então vemos a construção e a invenção de uma família que, no decorrer dos
capítulos, atravessa temas como a solidão, o preconceito, o amor e a compaixão.
Escrito com grande sinceridade, é quase impossível não se encantar por esses
personagens, não lhes querer bem. Em algum ponto, invariavelmente nos identificamos
com eles, principalmente em relação ao seu desejo de ser feliz. Nessa procura
pela felicidade, torcemos para que eles sejam felizes e, com isso, refletimos
sobre nossa própria capacidade de ser feliz.
O Filho de Mil Homens é uma história de esperança, um lembrete daquela
esperança na vida e no futuro, às vezes esquecida. E é também uma história de
amor, contada com a poesia de Valter
Hugo Mãe, um acalanto para aqueles que ainda acreditam que o amor é possível,
que a felicidade pode estar logo ali, porque “quem tem menos medo de sofrer,
tem maiores possibilidades de ser feliz” (pág. 18). Um dos melhores livros que já li. E nem preciso dizer que depois de ler essa história, o Valter Hugo Mãe passou a ocupar aquele cantinho sagrado da minha estante e do coração.
"Para entreter curiosidades, o velho Alfredo oferecia livros ao menino e convencia-o de que ler seria fundamental para a saúde. Ensinava-lhe que era uma pena a falta de leitura não se converter numa doença, algo como um mal que pusesse os preguiçosos a morrer. Imaginava que um não leitor ia ao médico e o médico o observava e dizia: você tem o colesterol a matá-lo, se continuar assim não se salva. E o médico perguntava: tem abusado dos fritos, dos ovos, você tem lido o suficiente. O paciente respondia: não, senhor doutor, há quase um ano que não leio um livro, não gosto muito e dá-me preguiça. Então, o médico acrescentava: ah, pois fique sabendo que você ou lê urgentemente um bom romance, ou então vemo-nos no seu funeral dentro de poucas semanas. O caixão fechava-se como um livro. O Camilo ria-se. Perguntava o que era colesterol, e o velho Alfredo dizia-lhe ser uma coisa de adulto que o esperaria se não lesse livros e ficasse burro. Por causa disso, quando lia, o pequeno Camilo sentia se a tomar conta do corpo, como a limpar-se de coisas abstratas que o poderiam abater muito concretamente. Quando percebeu o jogo, o Camilo disse ao avô que havia de se notar na casa, a quem não lesse livros caía-lhe o teto em cima de podre. O velho Alfredo riu-se muito e respondeu: um bom livro, tem de ser um bom livro. Um bom livro em favor de um corpo sem problemas de colesterol e de uma casa com teto seguro. Parecia uma ideia com muita justiça." (página 69)
Valter Hugo Mãe. O filho de mil homens. São Paulo: Cosac Naify, 2012. 208 pp.
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