1. O direito de não ler
2. O direito de pular páginas
3. O direito de não terminar o livro
4. O direito de reler
5. O direito de ler qualquer coisa
6. O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível)
7. O direito de ler em qualquer lugar
8. O direito de ler uma frase aqui e outra ali
9. O direito de ler em voz alta
10. O direito de se calar
Encontrei esse livro por acaso em uma das minhas andanças pelas livrarias. Reconheci o autor, de quem já havia lido um livro muito inspirador sobre ser professor (Diário de Escola, Rocco, 2004), e esse livro aberto na capa me chamou a atenção.
Com base em sua experiência como professor e romancista, Pennac fala de forma poética sobre o mundo mágico da leitura, mundo este que ele ama tanto quanto nós.
Neste ensaio muito sensível, Pennac mostra que muito da magia da leitura se perde quando o livro deixa de ser o objeto de encantamento de nossa infância, quando pedimos aos nossos pais que contem e recontem as histórias de que gostamos, e passa a ser a leitura obrigatória do programa escolar.
Só pelo que lemos nesse livro já dá para sentir que Pennac é desses professores que inspiram e encantam os alunos pela paixão que ele compartilha e demonstra. É lendo para seus alunos adolescentes, que dizem num primeiro momento não gostar de ler, que Pennac os faz perceber que todos os grandes escritores, que eles julgavam incapazes de entender, contam uma história. E que, para entendê-la, é necessário voltar ao despudor da primeira infância, quando queríamos tudo descobrir.
"E se, em vez de exigir a leitura, o professor decidisse de repente partilhar sua própria felicidade de ler?" (página 73)
"Não se força uma curiosidade, desperta-se", e é lendo esses romances de grandes autores como Tolstói, Calvino, Dostoiévski, Gabriel Garcia Márquez, John Fante, entre outros, que ele desperta o desejo de ler nos alunos, que não conseguem esperar até a próxima aula para saber como aquela história continua e correm para as livrarias e bibliotecas para terminar de ler o livro. E um livro leva a outro, e a outro, e a outro... O universo mágico da literatura é reencontrado e eles agora podem continuar a descobrir os seus próprios caminhos entre os livros.
"O homem constrói casas porque está vivo, mas escreve livros porque se sabe mortal. Ele vivem em grupo porque é gregário, mas lê porque se sabe só. Essa leitura é para ele uma companhia que não ocupa o lugar de qualquer outra, mas nenhuma outra companhia saberia substituir. Ela não lhe oferece qualquer explicação definitiva sobre seu destino, mas tece uma trama cerrada de conivências entre a vida e ele. Ínfimas e secretas conivências que falam da paradoxal felicidade de viver, enquanto elas mesmas deixam claro o trágico absurdo da vida. De tal forma que nossas razões para ler são tão estranhas quanto nossas razões para viver. E a ninguém é dado o poder para pedir contas dessa intimidade." (página 150)
Achei esse livro apaixonante quando o li pela primeira vez em 2009, e hoje relendo-o pela terceira vez, ele se faz ainda muito atual e acredito que sempre será. Os direitos do leitor, que ele lista no livro, foram libertadores para mim, principalmente o direito de não terminar o livro (porque sempre me sentia culpada quando a leitura não fluía e eu não queria abandonar o livro na metade) e o direito de calar, que é libertador no sentido de que não devemos explicações sobre o que lemos para ninguém. Gostaria de ter lido esse livro mais cedo, ainda na escola, e gostaria que todos os professores tivessem que ler esse ensaio para que a abordagem em sala de aula fosse diferente. Para que a literatura não ficasse sendo uma coisa chata e obrigatória para muita gente que não teve a sorte de ter um professor que os inspirasse.
E, a propósito dessa releitura hoje, entre os direitos do leitor, Pennac lista o direito de reler:
"Reler o que me tinha uma primeira vez rejeitado, reler sem pular, reler sob um outro ângulo, reler para verificar, sim ... nós nos concedemos todos esses direitos.
Mas relemos sobretudo gratuitamente, pelo prazer da repetição, a alegria dos reencontros, para pôr a prova a intimidade.
"Mais", "mais", dizia a criança que fomos...
Nossas releituras adultas têm muito desse desejo: nos encantar com a sensação de permanência e as encontrarmos, a cada vez, sempre rica em novos encantamentos." (página 137)
Um livro para ser lido, relido e compartilhado.
Daniel Pennac. Como um romance. Porto Alegre: L± Rio de Janeiro: Rocco, 2008.
4 comentários:
"O homem lê porque se sabe só", acho que vou pensar nisso a semana toda. Vivo com pessoas que não leem, e elas não conseguem entender o porque de tantos livros, de tanto dinheiro gasto, de tanto tempo "desperdiçado", e nunca consigo explicar o porque. E não acho que precise explicar, porque não tem explicação, só faz sentido pra mim. Mas ele resumiu bem a questão, é uma forma de entender o absurdo e a magia da vida.
Fui procurar e esse livro é baratinho, 16 reais!
Existe um texto famoso do Calvino, sobre a leitura dos clássicos, você conhece?
beijo grande,
Maira
Maira, querida, esse livrinho é uma pequena preciosidade. É baratinho e muito especial. Tenho certeza de que você vai se identificar com ele. Entendo perfeitamente o que você sente quando as outras pessoas não lhe compreendem; acontece o mesmo comigo. Mas é exatamente o que você disse: é algo que só faz sentido pra gente e não devemos explicação sobre esse amor. O melhor que podemos fazer é compartilhá-lo, daí quem sabe essas pessoas vão aprender um pouco sobre a beleza da leitura.
Depois me conta o que achou do livro :)
Agora não me lembro se já li ou não esse texto do Calvino...de que livro é? onde posso encontrar?
beijo grande,
Pipa
O texto chama-se "Por que ler os clássicos" e está num livro com o mesmo nome (reunião de vários artigos dele). É da Companhia, tem a versão oficial, mais cara, e a versão de bolso, por 24 reias.
E "Como um romance" entra na compra do mês que vem. Depois conto, com certeza :D
beijo grande,
Maira
Maira, vou procurar esse do Calvino que você mencionou.
Obrigada pela dica! :)
beijos,
Pipa
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