“Hoje, quando olho para trás, como tenho feito com mais frequência agora que tenho meus filhos, percebo que foi durante uma dessas idas ao rio que nossas vidas e nosso mundo mudaram. Pois foi nele que o tempo começou a ter importância, foi naquele rio que nos tornamos pescadores”. (p.18)
Os pescadores é o livro de estreia de Chigozie Obioma, um jovem autor nigeriano de apenas 28 anos que em 2015 esteve entre os finalistas do Man Booker Prize e ganhou destaque na imprensa como uma das grandes promessas da literatura africana contemporânea. O romance chega agora aos leitores brasileiros pela Globo Livros, com tradução de Claudio Carina.
O livro pode ser lido como um romance de formação, pois retrata o amadurecimento dos personagens, da infância até a idade adulta, e em face das situações distintas que passam a ocorrer em sua família, o que gera profundas transformações em cada um deles. Os pescadores é um romance sobre a infância de quatro irmãos de classe média, que vivem em uma pequena cidade da Nigéria com os pais e uma irmã ainda bebê e que, de um dia para o outro, passam a ter mais liberdade quando o pai é transferido para uma cidade maior, onde poderá ter melhores oportunidades profissionais e garantir melhor futuro aos filhos. Até então levando uma vida bem regrada, pois o pai era severo com os meninos e sempre enfatizava que eles seriam professores, médicos, advogados e teriam um futuro diferente do que a maioria das pessoas da cidade, os garotos passam a curtir a liberdade de não ter mais um pai rígido tão presente. A mãe cuida dos dois filhos menores e trabalha em uma loja da região vendendo produtos. Apesar de gostarem muito da mãe, que se desdobra entre o trabalho e as tarefas domésticas para cuidar dos cinco filhos, sem a figura paterna cobrando uma postura mais responsável, logo os meninos veem uma oportunidade de driblar as regras estipuladas pelo pai, mesmo com todas as ameaças. Assim, começam a deixar de estudar depois da escola para jogar futebol, brincar e também para pescar no rio. Um rio que está abandonado e condenado no imaginário popular a ser um local assombrado e perigoso, visto que alguns crimes ocorreram por lá.
"tudo o que fizemos pelo resto daquela tarde foi cantar, com o sol morrendo num canto do céu". (p. 214)
Mas Ikenna, o irmão mais velho (15 anos), Boja, Obembe e Benjamin (9 anos) estão empolgados com a ideia de serem pescadores e fazem isso por algumas semanas sem nada contar para a mãe. Até que um dia uma das figuras errantes da cidade, às vezes considerado um louco, outras vezes considerado um profeta, mas com um passado cheio de histórias terríveis e de muita violência, encontra os garotos no rio e diz uma de suas profecias diabólicas. A partir daí diversas coisas mudarão para os garotos, que terão que aprender a lidar com uma das coisas mais poderosas que existem: aquilo em que acreditamos.
Narrado por Benjamin, o filho mais novo, a partir do presente, acompanhamos os sonhos e as angústias de uma criança que precisa aprender a lidar com as mudanças que afetarão sua família para sempre. O romance mistura alguns traços da tradição oral africana ao romance moderno, encenando o conflito entre o tradicional e o moderno na própria narrativa.
Cada capítulo se constrói a partir de animais e outros elementos da natureza, uma simbologia interessante para criar imagens e construir metáforas, guiando o leitor diante das mudanças pelas quais cada um dos personagens passará. Além disso, as descrições por vezes são belas ecoando todo um imaginário de inocência e ternura ligado à infância.
“Fiquei olhando para ele discretamente, atormentado pelo medo de um futuro que pensei estar mais próximo do que podia imaginar, um futuro que era o dia seguinte. Comecei a rezar, com a voz mais baixa possível, para que o dia seguinte não chegasse, para que os ossos das pernas do tempo tivessem se quebrado”. (p. 236)
Os pescadores é um romance sobre a infância, sobre os laços familiares que às vezes se tornam frágeis, e em outras inesperadamente se fortalecem; é sobre o poder dos nossos sonhos para nos mantermos vivos em situações pouco favoráveis e também sobre a importância de lutar contra os nossos medos, já que nos tornamos aquilo em que acreditamos. Uma história linda, muito envolvente, que certamente ainda vai conquistar muitos leitores e leitoras.
“Uma vez me disseram que, quando um homem deseja uma coisa que não tem, não importa quanto seja ilusória, se seus pés não o impedirem de se locomover, ele acaba conseguindo”. (p. 226)OBIOMA, Chigozie. Os pescadores. trad. Claudio Carina. São Paulo: Globo Livros, 2015. 270 págs.
Sobre o autor
Chigozie Obioma nasceu em 1986 em Akure, Nigéria. Seus contos foram publicados na Virginia Quarterly Review e New Madrid. Já viveu na Nigéria, no Chipre e na Turquia, mas atualmente mora nos Estados Unidos onde concluiu um mestrado em Escrita Criativa na Universidade de Michigan. É professor assistente na Universidade de Nebraska-Lincoln. Seu primeiro romance, Os pescadores, ganhou vários prêmios, foi eleito o melhor livro do ano por diversas instituições e ficou entre os finalistas de um dos principais prêmios literários atuais, o Man Booker Prize.
*Recebi este livro como cortesia da editora Globo Livros.
3 comentários:
Preciso dizer que já quero? :oD
Adoro romances de formação! Vai pra lista! :)
Já estava desejando, agora com a sua resenha então... Beijocas!
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