quarta-feira, 23 de março de 2016

Arco de virar réu


"As palavras são sempre insuficientes, 
desajustadas e vazias de sentido 
para descrever o que fica registrado 
no tempo de um mísero segundo de um pesadelo."

Primeiro romance do escritor brasileiro Antonio Cestaro, Arco de virar réu chama a atenção pelo trabalho cuidadoso com a linguagem. A narrativa ágil nos envolve do início ao fim - é desses livros que não conseguimos parar de ler até chegar à última página. 

A fronteira tênue entre doença e normalidade, entre sanidade e loucura é o tema do romance, que se divide em quatro partes. O narrador-protagonista é um homem de meia idade, filho primogênito de uma família simples. O casamento dos pais chega ao fim muito cedo e a ausência do pai, e a consequente fragilidade da mãe, causa grande impacto nos filhos. Clara é a irmã mais nova e a única que parece conseguir seguir de forma independente. Pedro, o irmão esquizofrênico, cuja doença se agrava com o tempo, interferindo no dia a dia dos familiares e provocando rupturas profundas na família, é o ponto chave para a narrativa. É a partir da dor, que mistura lembranças e memórias, delírios e pesadelos, que o narrador escreve a sua história.

Cada vez mais ausente pela doença, Pedro se distancia da realidade na fala desordenada e na perda de sentido progressiva que aparece de forma intercalada no texto. A evolução da doença de Pedro aos poucos leva a uma dolorosa percepção do próprio estado mental do narrador, que se agrava após a morte do irmão. As digressões, os fragmentos de memória e os pesadelos, que se originam no tema de interesse do narrador, os costumes indígenas, ajudam a colocar em dúvida a sua própria existência. 

Nós, leitores, somos envolvidos no delírio e na dor diante de um mundo cada vez mais duro, onde a própria esquizofrenia parece ser uma "solução", ou talvez a rota de fuga encontrada pelo personagem para lidar com sua própria dor. Enquanto até determinado ponto do texto há uma divisão entre os delírios do irmão e a sanidade do narrador, mais adiante essa linha divisória se confunde, até não haver mais diferença entre sanidade e loucura.
“Parte daquilo que considero fatos, que ficaram registrados com a bandeira da verossimilhança na minha mente, acham-se agora submetidos a vozes que dizem e garantem, apoiadas pelos diplomas que exibem nas paredes, que eram realidades paralelas, criadas como subterfúgios ou caminhos de fuga do factual, ou ainda, na interpretação do Juca Bala, os caminhos que percorri quando decidi viver dentro da minha cabeça”
O narrador vai morar no sítio da tia Rosana, com a mãe, exatamente como fizera Pedro tempos antes. Isolado da civilização, ele pressente a aproximação da morte. Então, escreve seus segredos numa carta e pede que a entreguem ao primo, com quem ele sempre conversava sobre seus pesadelos. Já não há certezas de que até mesmo esse primo e os outros personagens de fato existiram, ou se são fruto de um delírio. Na carta, o narrador se lembra do “arco de virar réu”, que dividiu sua vida em duas partes: sanidade e loucura.  Nela fica claro, para o narrador e para o leitor, que “numa trama de insanos o mundo inteiro é só insanidades” (p. 147). Um ótimo romance, recomendo principalmente para quem se interessa pela temática da loucura, já que traz um personagem esquizofrênico, algo pouco explorado na nossa literatura.


CESTARO, Antonio. Arco de virar réu. São Paulo: Tordesilhas, 2016. 152 págs.

SOBRE O AUTOR
Antonio Cestaro nasceu em 1965, em Maringá, Paraná. É editor, fundador do selo Tordesilhas, dedicado a literatura. Em 2012 estreou como escritor com o livro de crônicas Uma porta para um quarto escuro, que ganhou o prêmio Jabuti na categoria Projeto Gráfico. Em 2013 publicou seu segundo livro de crônicas, As artimanhas do Napoleão e outras batalhas cotidianas. Arco De virar réu é seu primeiro romance.  Clique aqui para ver o Booktrailer do livro.

*Recebi este livro como cortesia da editora Alaúde (selo Tordesilhas)

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