terça-feira, 29 de março de 2016

História do novo sobrenome (carta para Elena)



Querida Elena,

Terminei de ler A amiga genial encantada com a sua escrita e muito ansiosa para ler a continuação da história de Lila e Lenu. Você sabe mesmo como prender a atenção do leitor e atiçar a nossa curiosidade. Sinto a mesma coisa agora que terminei de ler a História do novo sobrenome, o segundo volume de sua tetralogia napolitana, que foi devorado com o mesmo interesse, apesar de ter achado que em algumas partes a narrativa ficou um pouco mais lenta e descritiva, mas nada que desagrade. A história dessa amizade foi sem dúvida uma das melhores coisas que li nos últimos tempos. 

Acho engraçado, para usar um bom eufemismo, quando escuto alguém dizer que você é um homem. Tolinhos. Só uma mulher seria capaz de escrever esta história, e fico feliz que você tenha feito isso. E mais ainda, que seus livros estejam sendo traduzidos aqui no Brasil. Já fico imaginado como vai ser quando chegar ao último volume de sua tetralogia e tiver que me despedir de Lila e Lenu. Mas até lá outros livros seus já estarão por aqui também (espero).

Mais do que um livro sobre a vida de duas jovens italianas, seu romance é sobre as mulheres, tão forte é a perspectiva feminina em seus livros. Suas angústias, seus dilemas, e todos os contratempos que somos obrigadas ainda a enfrentar estão ali, tipo A vida como ela é. Mesmo retratando uma outra época, já que o livro se passa no pós-guerra, às vezes é assustador perceber o quanto disso tudo ainda está presente nos dias de hoje. São muitas as mulheres que, como Lila, só veem diante de si a possibilidade do casamento, quase como uma obrigação. Sem falar na pressão de todos para ter filhos, ainda que esse não seja o seu desejo. Essa parte cortou um pouco meu coração durante a leitura, porque tinha imaginado para Lila tantas outras aventuras e possibilidades, ela que é tão inteligente. Mas mesmo diante de todos os problemas, gosto da força de suas protagonistas: quando achamos que elas se perderam, de repente elas se recuperam e surgem cheias de vida e coragem, como tantas outras mulheres fazem diariamente.

Foi muito interessante o que você fez no segundo livro quase que invertendo as nossas expectativas, pelo menos as expectativas que eu cultivei para Lila e Lenu durante a leitura do primeiro volume. Os dois caminhos traçados por elas, do casamento e dos estudos, sempre mostrando o que eles tem de bom e de ruim, são um bom contraponto para a tradicional história da vida de uma protagonista nos romances que costumamos ler. Quando menos percebemos já estamos envolvidos com as vidas tão intensas e cheias de reviravoltas dessas duas italianas. E é incrível como você as construiu, da forma complexa como elas são, que passamos do amor ao ódio em diversos momentos e é por isso que você é genial.

Algo que me inquieta nos seus livros é a violência contra a mulher que está presente em cada página, do início ao fim. Certamente uma denúncia de algo que ainda persiste nos dias de hoje, enraizado em nossa sociedade e nas instituições, seja no Brasil, na Itália ou em muitos outros lugares. A violência no casamento, que ainda permanece como um assunto privado, quando não é. Tão comum que passa muitas vezes como algo banal, naturalizado, o que jamais deve acontecer. Ainda fico esperando uma reviravolta nesse sentido, mas talvez isso seja mais um desejo meu, algo que talvez não vá acontecer ainda em sua história. Mas mesmo que isso não aconteça, o mérito dos seus livros se mantém: chama a atenção para uma questão muito importante e que não pode, nem deve, continuar sendo silenciada, ou tratada como algo menor. Obrigada por falar dessa dor.

Já espero ansiosamente o terceiro livro, porque você, cara Elena, sabe como ninguém terminar um capítulo e nos deixar de cabelo em pé de tanta curiosidade sobre o que vai acontecer depois. 

Continue escrevendo. Para os bons entendedores a sua literatura realmente diz tudo o que precisa ser dito.

Com carinho,

Pipa

*Como é muito difícil falar do segundo volume de uma tetralogia sem dar spoilers, peguei emprestada a ideia de uma carta para a autora do blog the blank garden, no qual a querida Juliana escreve cartas incríveis para as autoras dos livros que lê. Espero que com ela eu tenha conseguido demonstrar o quanto gosto dessa autora e o quanto vale a pena ler essa série napolitana, caso você não tenha começado ainda.

*Escolhi e recebi este livro como cortesia da Editora Globo Livros (Biblioteca Azul).

2 comentários:

Eduarda Sampaio disse...

Amei esse formato de resenha, Paula. E também amei o livro <3
Preciso confessar que o primeiro (A Amiga Genial) não me impressionou tanto assim. Demorei bastante para embarcar na história e decorar quem era quem (até nesse segundo livro ainda me pegava tentando lembrar quem era irmão de quem e quem namorava quem).
Mas esse segundo livro... Simplesmente incrível! Não conseguia parar de ler e ficava abismada com a profundidade com a qual Ferrante desenvolveu os personagens e a história.
Também fiquei com o coração apertado por Lila, apesar de ainda não ter perdoado ela por você-sabe-o-quê. Mas fiquei com o coração apertado especialmente pelo afastamento delas.
E uma pergunta. Você também sente que existe uma certa atração sexual de Lena por Lila? Porque nesse segundo livro comecei a reparar no quanto Lena compara os relacionamentos amorosos dela ao que ela sente por Lila e o quanto o ciúme era tanto de Nino quanto de Lila.
Beijo!

Pipa disse...

Obrigada, duda!Essa série é de matar um do coração, né? A escrita da Elena Ferrante é maravilhosa.
Olha, achei que existe uma mistura de sentimentos - admiração, inveja, raiva, amor, amizade - e uma competição muito grande entre elas, mas não pensei em atração sexual de Lena por Lila, não, mas quando estiver lendo o terceiro livro vou prestar atenção nesse aspecto. Até o momento confesso que não achei isso. Mas tratando-se de Ferrante, ninguém sabe o que nos espera nos dois volumes que ainda faltam, que reviravoltas nos aguardam :)

um beijo,
Pipa