“Um talento iluminado. A literatura do século XXI pertencerá a Neuman
e a alguns poucos de seus irmãos de sangue.” – Roberto Bolaño
Falar sozinhos é o segundo livro do escritor argentino Andrés Neuman publicado no Brasil. Com cinco livros já publicados e elogiado por Bolaño como um dos grandes autores do século XXI, Neuman é também considerado um dos melhores jovens escritores em língua espanhola.
Falar Sozinhos é um romance sobre partir e ficar; sobre despedidas, saudade e silêncios; sobre a comunicação em uma família e sobre tudo o que falamos sozinhos. Narrado a três vozes, cada uma delas muito bem construída, o texto flui à medida que vamos conhecendo esses três personagens e nos encantando por eles.
Lito é um menino de 10 anos de idade, com uma imaginação e uma inocência que nos comovem, e que acredita que enquanto está com o pai viajando de caminhão, o que ele sente pode interferir nas condições do tempo. Fazendo uma viagem de caminhão com o pai, que está muito doente e não quer contar ao filho sobre a gravidade do problema, seja por não ter coragem, seja por não saber como. Mario se despede em silêncio a cada momento que tem para estar com o filho, de poder alimentar seus sonhos, sua fantasia de criança. Nessas horas fica impossível não se comover e de sentir essa melancolia da despedida muito bem retratada no texto de Neuman.
Elena é uma mulher prestes a ficar viúva, obcecada com a ideia de perda, que mergulha em uma aventura sexual para desafiar seus limites enquanto cuida do marido, e que busca nos livros uma forma de enfrentar sua dor, tentando se deparar com sua vida em tudo o que lê. É na voz de Elena que vamos encontrar diversas referências literárias, que parecem dar continuidade ao texto.
"Quando um livro me diz o que eu queria dizer, sinto o direito de me apropriar de suas palavras, como se alguma vez tivessem sido minhas e as estivesse recuperando." pág.122
Neuman coloca uma nota no final do livro dizendo que as traduções dos trechos citados são improvisações do autor, pois "se a escritura nos permite falar sozinhos, ler e traduzir são semelhantes a conversar".
O único porém (na minha humilde opinião de leitora comum) foi que cada vez que ele citava um trecho de um romance de Atwood, de Hemingway, e de tantos outros, eu, na minha curiosidade de leitora ciente de que um livro sempre nos leva a descobrir muitos outros, me perguntava: qual romance? qual o título? Não há nenhuma referência bibliográfica e eu lamentei muito por isso. Ficamos sem saber quais são os livros que Elena lia, temos a chance apenas de ler os trechos que se mesclam ao texto com perfeição. O que fiz foi apenas listar todos os autores que ele cita, mas sem saber de qual livro é cada trecho.
"Vou escolher os textos para os exames. Depois vou passar a tarde lendo. Meus nervos se acalmam com a leitura. Falso. Não se acalmam: mudam de direção. Quando saí do consultório, fui (fugi) a uma livraria. Comprei vários romances de autores que eu gosto (fiz isso rapidamente, quase sem olhar, como se fosse analgésicos) e um diário de Juan Gracia Armendáriz que folheei por acaso. Imagino que este livro, mais que um analgésico, poderia ser uma vacina: vai inocular em mim a inquietação que tento combater". pág. 22
Mario está muito doente e sabe que pouco tempo de vida lhe resta, por isso sofre nas pequenas despedidas silenciosas que faz do filho de 10 anos, registrando também com um gravador o que gostaria de dizer ao filho e à esposa, mas não tem coragem. A consciência da morte próxima e as reflexões que ele faz enquanto observa silencioso alguns momentos do dia a dia e da convivência com Lito e Elena são realmente capazes de levar os leitores mais sensíveis às lágrimas.
"Acredito que todas as despedidas são incompletas. Como na nossa vida. Por isso vivemos nos despedindo. E talvez por isso, também, somos viciados em ficção: para nos completarmos, para fabricarmos o tempo e a vida que não teremos." (Em entrevista para o Estadão, 13/11/2013)
Andrés Neuman me conquistou com esse livro, que mesmo me fazendo chorar, me deixou sem querer parar de ler o livro até o fim. Entrou para a minha lista de melhores leituras de 2013. Recomendo.
Andrés Neuman. Falar Sozinhos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013. 168 páginas. Tradução: Maria Alzira Brum Lemos.
A seguir, compartilho o link para o blog do Andrés Neuman, considerado um dos melhores blogs literários da Argentina; o link para uma entrevista linda que ele deu para o Estadão, o primeiro capítulo para quem quiser ler, e a lista com os autores citados no livro.
Entrevista com Andrés Neuman : Todas as formas de viver e morrer
Blog do Andrés Neuman: Microrréplicas
Primeiro Capítulo: Falar Sozinhos
Autores citados:
Margaret Atwood; Sylvia Plath;Virginia Woolf ; Flannery O'Connor ; Kenzaburo Oe ; Roberto Bolaño; Mallarmé; Justo Navarro; Hemingway; Ana María Matute; Lorrie Moore;Javier Marías; Chekov; Iréne Némirovsky; César Aira; Philippe Ariés; Christian Bobin; Richard Gwyn; Juan Gracia Armendáriz; John Banville; Cynthia Ozick; Helen Garner; Shakespeare; Alonso Quijano; De Pablos; Funes; Neruda; Keats; Bécquer; Garcilano
6 comentários:
Amei! vou ler!!!
Como os blogs literários fazem bem. Foi muito bom descobrir esse novo escritor, quer dizer, novo para mim, fiquei super a fim de ler. Bela Resenha.
Beijos
Paula, suas três últimas resenhas acabam de tornar mais infinita minha lista de livros por ler... :-)
Fê, você vai gostar dele e você vai encontrar todos os outros em espanhol por aí, aproveita!!
Obrigada, Flávia! O livro é bom mesmo, vale a pena conhecer o Neuman! :)
Ju, obrigada! :)
Gostei de descobrir esses três novos autores, são muito bons!
beijo!
Paula, eu nunca tinha ouvido falar do autor até você comentar, fiquei muito interessada! Adoro livros que nos levam a outros livros...
Beijinho!
Oi, Paula,
Descobri seu blog há pouco tempo, junto com alguns outros de literatura e tenho estado encantada com esse espaço que se criou para falar de literatura. Parabéns pelo seu trabalho nesse delicioso espaço.
Esse fim de semana, estive na Travessa, no Rio, e o livro do Andrés Neuman me chamou a atenção. Acho que foi como a Juliana Brina disse outro dia num vídeo, há livros que nos encontram. Peguei, folheei, li orelhas, contracapa. Tive vontade de comprar. Mas minha lista de livros e leituras que já era enorme, depois de conhecer vocês só aumenta a cada dia, então me segurei e não trouxe o livro. Passeando pelo seu blog hoje não fui cair exatamente nessa resenha?? Agora não tem mais jeito, vou precisar realmente ler Falar Sozinhos. Meu instinto na livraria estava certo. O livro é mesmo imperdível.
Obrigada pela resenha,
um beijo,
Ana
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