Todas as famílias felizes se
parecem,
cada família infeliz é
infeliz à sua maneira.
Liev Tolstói
O romance Tirza, do escritor holandês Arnon Grunberg, tem como enredo a história de uma família holandesa de classe média, formada por Jörgen, sua esposa (que não tem nome na narrativa) e suas duas filhas, a mais velha, Ibi, e a caçula, Tirza, que dá título ao livro.
Jörgen é um editor de livros de ficção estrangeira em uma editora, tem uma casa em um dos melhores lugares de Amsterdã e aparentemente uma vida de fazer inveja a qualquer um. Isso até nos aproximarmos um pouco mais dessa história, narrada sob a perspectiva de Jörgen e, a cada capítulo, perceber a loucura, a violência, a tensão constante e a falta de estrutura da família Hofmeester. Prestes a se aposentar, Jörgen é um homem que faz de tudo para ser aceito pelas pessoas, importando-se mais com o que os outros pensam dele, pois para ele são os outros que nos definem. Ele quer a todo custo ter controle sobre tudo ao seu redor e ao falhar com frequência algumas atitudes suas reverberam a tensão que ele sente e tenta reprimir por ter falhado.
A história começa com os preparativos da festa de despedida de Tirza, sua filha caçula e a preferida dele. Empenhado em fazer tudo da melhor maneira possível, mas sem a menor chance de ter sucesso, Jörgen aprende a cozinhar para cuidar de Tirza depois que a sua esposa o abandona para viver uma paixão de juventude. Apesar de passar anos esperando a volta da esposa, mesmo sem ter por ela um sentimento de amor, ele segue vivendo tentando controlar a vida que lhe resta. Ibi, sua filha mais velha, para seu desgosto abandona a faculdade e vai morar na França com o namorado, trabalhando em uma pousada. Mas nada disso parece de fato abalar Jörgen, afinal, ele tem Tirza em sua vida e a filha passa a ser sua obsessão.
Alguns contratempos surgem na tão esperada festa de despedida de Tirza, que acaba de se formar e vai viajar para a África com o novo namorado. A esposa, que não aparecia nem dava notícias há anos, reaparece um dia antes da festa e para ficar. A relação conturbada dos dois fica então mais evidente, mas mesmo assim Jörgen, na tentativa de controlar tudo para que nada dê errado na festa de Tirza, não consegue reagir e aceita passivamente a volta da esposa, inclusive a dividir a mesma cama com ela. Tudo é muito estranho na família Hofmeester. E, como já imaginávamos, muita coisa dá errado na tão esperada festa de Tirza. Ainda que tente aparentar ser um ótimo pai e um excelente anfitrião, Jörgen não se encaixa em nenhum lugar. Sua tentativa de controlar tudo ao redor só gera mais e mais tensão e ele acaba por terminar a festa no quarto de ferramentas no jardim, dando espaço para o que já não consegue reprimir.
Depois da festa, e mesmo não aceitando o novo namorado de Tirza, o aparente controle que Jörgen tenta exercer o faz levar o casal até a sua casa de campo, para um último final de semana antes dos dois partirem juntos para África. Tudo já havia sido planejado por Jörgen, que quer a todo custo levar Tirza até o aeroporto e lidar, de sua forma 'torta', com a partida de Tirza.
Na terceira e última parte do romance, ambientado em África, quando Jörgen viaja em busca de Tirza, estamos mais uma vez diante do mundo através de visão eurocêntrica e obcecada de Jörgen, e as certezas desse homem se perdem e se confundem ao mesmo tempo em que as evidências passam a fazer cada vez mais sentido para o leitor.
Uma narrativa brilhante, envolvente até a ultima página, e apesar de tratar de temas tão difíceis em um cenário simples, já que praticamente 80% do romance se passa na própria casa dos Hofmeester, é um livro que nos intriga e nos faz refletir durante toda a leitura. Tirza, como toda boa literatura, faz o leitor sair de sua zona de conforto. E como tudo o que nos inquieta, continua martelando em nossa mente por um bom tempo.
GRUNBERG, Arnon. Tirza. Rio de Janeiro: Rádio Londres, 2014.
*Escolhi e recebi este livro como cortesia da Rádio Londres Editores.
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