sexta-feira, 18 de julho de 2014

Adeus, João


Foi meu pai quem me fez gostar de João Ubaldo. A crônica de João no jornal era sempre muito esperada. Aprendi a esperar por ela também, aos domingos, apesar de não gostar muito de ler jornal na minha adolescência. Mas aquele texto ali era diferente. Não era nada chato. Falava de política, sim; outras vezes, eu achava graça do texto assim meio rabugento e reclamão, que fazia críticas tão precisas sobre coisas que aconteciam no nosso tempo. Gostava do senso de humor do autor. E compartilhar aquelas histórias com meu pai quando trocávamos o jornal de mãos marcou uma época boa de minha vida.

Na escola, ano de vestibular, tempo de grandes decisões e muitas emoções, tínhamos entre a lista de obras literárias a serem lidas para a prova um livro de João Ubaldo Ribeiro. Essa lista, que para muitos dos meus colegas era um pesadelo, para mim era a melhor parte dos estudos. Eu não conseguia entender aqueles que optavam por ler resumos encontrados aqui e acolá. Dividia meu tempo entre as outras matérias, muitas das quais eu detestava como matemática e física, com aquele momento delicioso de estudar literatura. Na semana das provas de português da escola, era aquela alegria. Quando minha mãe abria a porta do meu quarto para dizer alguma coisa e me via com um livro, antecipando aquela pergunta básica  "você não devia estar estudando?", eu logo dizia, toda contente: "estou lendo o livro que será cobrado na prova de literatura sábado, mãe". A melhor desculpa do mundo para poder ler literatura e sair dos números e fórmulas que eu detestava. Sentar para ler um livro como Sargento Getúlio nem parecia estudo "obrigatório", de tão prazeroso que era. Não entendia porque alguns dos meus colegas, aqueles que diziam que ler era chato (sabe de nada, inocente!) reclamavam tanto da lista de livros do vestibular. O único problema para mim era que o tempo de leitura era sempre pequeno demais, eu lia muito rápido e as horas do "meu descanso" da escola passavam mais rápido do que eu gostaria.

Eu já conhecia as crônicas de João Ubaldo, então sabia que o livro só podia ser muito bom e não me enganei. Foi um livro que me marcou muito, não só por ser uma obra genial, mas por me transportar de toda aquela pressão de provas e notas e decisões de carreira para um universo fascinante, não apenas por um lugar diferente, mas pela mente humana. Outro dia me lembrei que esse livro não tem ponto final. E hoje achei que ele merecia ser lembrado aqui, porque representa um pouco do que eu acho que os livros são: algo que não termina, que não acaba e que sempre nos leva por novos caminhos, por novas histórias, tão únicas como cada um de nós. 

Hoje cedo meu pai me ligou e disse que chovia bastante em Salvador. Lamentamos a notícia triste com a qual o dia de hoje começou. Não teremos mais aquelas crônicas.

***

João Ubaldo Ribeiro (Itaparica, 23 de janeiro de 1941 — Rio de Janeiro, 18 de julho de 2014) foi um escritor, jornalista, roteirista e professor brasileiro, formado em direito e membro da Academia Brasileira de Letras. Foi ganhador do Prêmio Camões de 2008, maior premiação para autores de língua portuguesa. Ubaldo Ribeiro teve algumas obras adaptadas para a televisão e para o cinema, além de ter sido distinguido em outros países, como a Alemanha. É autor de romances como Sargento Getúlio, O Sorriso do Lagarto, A Casa dos Budas Ditosos, que causou polêmica e ficou proibido em alguns estabelecimentos, e Viva o Povo Brasileiro.

Um comentário:

Eduarda Sampaio disse...

Fiquei tão triste quando soube... Parecia que um grande amigo meu tinha falecido. Eu não esperava me emocionar tanto com essa perda.
Um beijo!