Minha dor é perceber / Que apesar de termos / Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos / E vivemos / Como os nossos pais...
(Belchior, na voz de Elis Regina)
The Namesake (2004, Mariner Books), da escritora Jhumpa Lahiri, conta a história de um casal de indianos que se muda para os Estados Unidos logo após o casamento, onde constroem juntos sua família. Ashima e Ashoke tentam criar seus filhos de acordo com a cultura e a tradição indianas, mas já não conseguem evitar que as influências do país onde agora residem interfiram na formação dos filhos, pois percebem que eles próprios já não são os mesmos, apesar da tradição.
A temática da identidade e do sentimento de conflito comum aos imigrantes é tema recorrente na escrita de Lahiri, que teve ela própria essa experiência de viver entre duas culturas antípodas. O sentimento de isolamento e de negação que marca a chegada de Ashima aos Estados Unidos retrata a situação dos imigrantes: ser estrangeiro em um país tão diferente do seu, onde os costumes não são compreendidos, onde a língua é um empecilho. O conflito de tradições e culturas fica evidente logo nas primeiras páginas quando Ashima, grávida do primeiro filho, relata o seu desconforto, o isolamento, nesse momento tão importante que é a chegada de um filho para a sua cultura, e ela está sozinha. Depois do parto, surge o primeiro conflito entre as duas culturas: o nome do bebê, também razão do título do livro. Segundo a tradição indiana, o nome dos filhos é escolhido pelos membros mais velhos da família, no caso, a avó de Ashima, que escreveria uma carta enviada da Índia informando o nome escolhido, no seu tempo, carta esta que se perde no caminho entre Calcutá e Massachusetts, onde a história se passa. Entre os membros da família, cada pessoa tem um nome carinhoso, como um apelido, com o qual só pode ser chamado por pessoas muito próximas. O marido de Ashima, Ashoke, ao pegar seu filho pela primeira vez no colo, escolhe chamá-lo de Gogol, uma homenagem ao escritor Nikolai Gogol, de quem é admirador e também porque esse livro marcou um acontecimento importante de sua vida. Contudo, eles estão nos Estados Unidos e para que Ashima e o bebê possam deixar o hospital o bebê tem que ser registrado. Apesar de todas as explicações sobre sua tradição, eles acabam cedendo às regras americanas: para frustração de Ashima, seu primeiro filho é registrado com seu nome "de casa", seu apelido carinhoso: Gogol Ganguli.
No decorrer da história, acompanhamos o crescimento de Gogol, desde seus primeiros dias até seus 32 anos, quando já é um homem; acompanhamos o nascimento de Sonia, sua irmã, também nascida nos Estados Unidos, e o crescimento dos dois entre essas duas culturas, nutrindo sentimentos ambíguos, em uma grande crise de identidade. Já não sentem que pertencem aos mesmo lugar que os pais, quando viajam para Calcutá nas férias para visitar os familiares, mas também não se sentem completamente pertencentes ao lugar onde nasceram, porque apesar de serem americanos, sempre são vistos como estrangeiros, seja pelo nome, seja pelas características físicas ou algum costume que mantém.
Durante a adolescência, Gogol passa a detestar seu nome, sem compreender porque seu pai o escolheu. Apesar de ter ouvido as histórias sobre a carta da avó que nunca chegou e os motivos que o levaram a registrá-lo pelo seu nome "de casa", Gogol não entende a escolha, afinal ele nem tem um nome indiano, nem um nome americano, e um nome russo só complica ainda mais seu caminho para se encontrar como pessoa, para aceitar e formar sua identidade.
Em The Namesake, Jhumpa Lahiri consegue retratar com um texto elegante e muito gostoso de ler não apenas o conflito entre culturas, mas o eterno dilema entre gerações de uma mesma família. Percebemos que não importa o lugar ou o país, esse 'gap' entre pais e filhos sempre existirá; é algo que só diminui com o tempo, com a maturidade que o tempo traz, quando passamos a compreender nossos pais, suas escolhas, as dificuldades que enfrentaram e que os fizeram ser como são. É quando passamos a compreender o que verdadeiramente somos e, quase sempre, nos aproximamos mais deles.
Jhumpa Lahiri nasceu em Londres, Inglaterra, em 1967. É filha de pais que emigraram da Índia. Passou a infância em Rhode Island, onde seu pai trabalhou como bibliotecário, e sua mãe, como professora. Formou-se em Literatura Inglesa pelo Barnard College, tem Mestrado em Inglês, Escrita Criativa e Estudos Comparados e Doutorado em Estudos Renascentistas pela Universidade de Boston. Pelo seu trabalho de estreia, o livro de contos Interpreter of Maladies, recebeu diversos prêmios, entre eles o Pulitzer Prize, em 2000. Seu primeiro romance, The Namesake, ficou várias semanas na lista de mais lidos do New York Times. The Namesake, uma produção indiana, foi adaptado para o cinema em 2007. Seu segundo romance, The Lowland, foi um dos finalistas do Man Booker Prize 2013.
A edição brasileira, O Xará, com tradução de José Rubens Siqueira, foi publicada em 2004 pela Companhia das Letras (336 páginas), mas a edição encontra-se esgotada nas principais livrarias.
Jhumpa Lahiri. The Namesake. UK: Mariner Books, 2004. 291 páginas.
Jhumpa Lahiri. O Xará. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 336 páginas. Trad. José Rubens Siqueira.
4 comentários:
Poxa não conhecia essa autora, ultimamente eu tenho me interessado em descobrir literatura com visões culturais diferentes.
Acho que é importante buscar essas pequenas ou grandes diferenças que temos através também da literatura.
Dica anotada e será lido com certeza em breve.
bjos
Oi Pipa, adorei sua resenha! Enquanto lia via que a história me era familiar, e lembrei do filme "Nome de família". Quando cheguei no fim vi o cartaz e realmente confirmei... Lembro que na época achei um filme muito bonito, só que as questões de identidade que ele pretende abordar acabaram ficando superficiais na minha visão.
Vou colocar o livro na minha listinha, se encontrar ele por aí, com certeza lerei, porque provavelmente a falta que eu senti no filme será sanada pela narrativa!
Beijo enorme!
Tati
Obrigada, meninas! Gostei muito dessa autora! Tati, onde você encontrou o filme? Quero muito ver!
Beijo!
Pipa, eu vi em uma aula, acho que a professora tinha o dvd... mas se achar o link para baixar, eu te aviso!
Beijo!
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