"Esses moços", disse McDonald com desdém.
"Sempre acham que existe alguma coisa mais para descobrir"
Estados Unidos, 1870. O jovem Will Andrews, estudante de Direito na Universidade de Harvard, decide largar tudo em busca de uma vida mais autêntica. Está em busca de algo que nem ele mesmo sabe o que é e chega a Butcher's Crossing, uma cidadezinha do Kansas, dessas bem típicas dos filmes de faroeste, com um pouco de dinheiro e uma vontade de ver o mundo que até então ele só conheceu nos livros.
Ao chegar em Butcher's Crossing, ele procura um velho conhecido de seu pai, McDonald, dono de uma charquearia e o maior negociante de peles de búfalos da região. Enquanto caminha até lá, Will passa por grupos de caçadores que saem em busca dos búfalos, cujas peles são vendidas para McDonald, um negócio lucrativo na época. Nessa cidadezinha isolada, pacata, onde o tempo parece ter parado, as pessoas vivem na esperança da chegada da ferrovia, que mudaria para melhor as condições de vida e de trabalho de todos.
No saloon da cidade, Will conhece Miller, um caçador experiente indicado por McDonald, e seu fiel escudeiro, Charley Hoge. Assim, ele fica sabendo dos sonhos de Miller de conseguir ir em busca da maior manada de búfalos que ele já viu, anos antes, em uma região mais afastada e que aparentemente se mantém intocada. Will vê nessa expedição a aventura que busca e decide partir com Miller, Charley e o rabugento Schneider, o esfolador contratado para tirar as peles dos búfalos, nessa jornada que o aproximará da natureza de forma intensa e transformadora.
Segundo romance do escritor estadunidense John Williams que chega ao público brasileiro pela Rádio Londres, Butcher's Crossing é um livro surpreendente, ao estilo de um bom faroeste americano, mas indo muito além disso. Um enredo aparentemente simples, mas que adquire grande profundidade em determinados momentos, como parece ser a marca de John Williams. Somos completamente envolvidos nessa história, cujas descrições tão ricas nos transportam de uma pequena cidadezinha no Kansas até as montanhas do Colorado. Quase dá para sentir a poeira, o vento, os cheiros.
Juntos, os quatro personagens enfrentam a exaustão física, a fome, a sede, o calor e o frio intenso do inverno. A caçada acaba por se tornar uma experiência existencial para eles, mas principalmente para Andrews, que passa por um processo de amadurecimento diante da vida durante essa jornada que acaba por durar muito mais tempo do que eles imaginavam. Nesse sentido, o romance pode ser lido como um romance de formação. Com seu jeito mais quieto e observador, e o contato com homens tão diferentes quanto Miller, Charley e Schneider por tanto tempo possibilitam um grande aprendizado e equilibram as diferentes perspectivas presentes durante a viagem.
Apesar do enredo simples, o que parece conquistar os leitores é a forma como John Williams consegue narrar a história de modo a nos envolver completamente nesse cenário de intenso contato com a natureza, com descrições ricas e sensoriais, tão perfeito que nos imaginamos mesmo dentro de um filme de faroeste (não é a toa que já existe um filme baseado nesse livro). O deslumbramento de Will diante da natureza - ao mesmo tempo tão assustadora - permite refletir sobre o papel da natureza na vida do homem, sua força, sua capacidade de transformação. Nenhum deles permanece o mesmo depois dessa jornada, ainda que o que movia cada um deles fosse algo diferente. Essa transformação é visível nas personagens, nas quais é possível perceber até mesmo certa animalização diante da experiência de isolamento em meio à natureza.
Juntos, os quatro personagens enfrentam a exaustão física, a fome, a sede, o calor e o frio intenso do inverno. A caçada acaba por se tornar uma experiência existencial para eles, mas principalmente para Andrews, que passa por um processo de amadurecimento diante da vida durante essa jornada que acaba por durar muito mais tempo do que eles imaginavam. Nesse sentido, o romance pode ser lido como um romance de formação. Com seu jeito mais quieto e observador, e o contato com homens tão diferentes quanto Miller, Charley e Schneider por tanto tempo possibilitam um grande aprendizado e equilibram as diferentes perspectivas presentes durante a viagem.
Apesar do enredo simples, o que parece conquistar os leitores é a forma como John Williams consegue narrar a história de modo a nos envolver completamente nesse cenário de intenso contato com a natureza, com descrições ricas e sensoriais, tão perfeito que nos imaginamos mesmo dentro de um filme de faroeste (não é a toa que já existe um filme baseado nesse livro). O deslumbramento de Will diante da natureza - ao mesmo tempo tão assustadora - permite refletir sobre o papel da natureza na vida do homem, sua força, sua capacidade de transformação. Nenhum deles permanece o mesmo depois dessa jornada, ainda que o que movia cada um deles fosse algo diferente. Essa transformação é visível nas personagens, nas quais é possível perceber até mesmo certa animalização diante da experiência de isolamento em meio à natureza.
"Não conseguia imaginar sequer imaginar como seria. Com um leve choque, ele se deu conta de que o mundo, além daquela região cercada por encostas de montanhas por todos os lados, havia se apagado em sua memória. Não conseguia sequer se lembrar da montanha que haviam subido, sem mesmo da vasta planície onde haviam suado e sentido sede, tampouco de Butcher's Crossing, aonde chegara e que deixara apenas uma semana antes. Aquele mundo só lhe voltava aos surtos e de forma confusa, como que escondido num sonho. Havia passado naquele vale o período mais importante de sua vida, e quando olhou de cima - plano, verde-amarelado, as altas muralhas da montanha, amadeirada de pinheiros verdes escuros onde flamejava o ouro rubro dos álamos trêmulos, as rochas ressaltadas e as encostas, tudo toldado pelo azul intenso do céu de ar rarefeito -, parecia-lhe que os próprios contornos do lugar eram fluidos sob seus olhos, que seu próprio olhar modalva o que ele via e que, em troca, lhe dava à própria existência forma e lugar. Não conseguia mais pensar em si mesmo fora de onde se encontrava" (p. 194-195).
Butcher's Crossing é um livro sobre a necessidade de dar sentido à vida e à existência, a necessidade intensa de descobrir o mundo e desbravá-lo, procurando por algo que nem sabemos o que seja, sentimento tão comum na juventude (e às vezes também além dela). É um livro sobre as paixões e as ambições idealizadas, muitas das quais nos movem durante boa parte da vida, até percebermos que o tempo passou, que no final não fazia tanto sentido como imaginávamos. Talvez seja esse elemento existencial o que nos aproxima tanto do livro, mesmo que não tenhamos jamais imaginado gostar de uma narrativa que tratasse de caçadas de búfalos e homens em território selvagem. Mas se pensarmos que essa caçada é a vida, e que a busca desenfreada por trabalho, aventuras e descobertas, e também paixões, seja um sentimento tão comum entre nós, a ser trabalhado com o tempo e o amadurecimento (sábias palavras do velho McDonald), tudo faz mais sentido. E nos deixa com um sentimento, misto de melancolia e nostalgia, quando a jornada das personagens (e a leitura do livro) chega ao fim. Uma das melhores leituras do ano.
"Depois de um instante de euforia diante do anúncio de Miller, Andrews se sentiu tomado por uma tristeza estranha, como um pressentimento de nostalgia. Olhou para a pequena fogueira ardendo alegremente contra a escuridão e, mais além, ele viu a escuridão. Lá estava o vale que ele acabara conhecendo tão bem quanto a palma da própria mão. Ele não conseguia enxergá-lo, mas sabia que estava ali; e lá estavam os cadáveres putrefatos dos búfalos por cujas peles eles haviam trocado seu suor, seu tempo e boa parte de suas energias. Os fardos de peles também estavam por ali no escuro. Pela manhã, eles os carregariam na carroça e iriam embora daquele lugar; e ele teve a sensação de que jamais retornaria ali, embora soubesse que precisaria voltar com os outros para buscar as peles que não conseguissem levar. Sentia vagamente que estava deixando alguma coisa para trás, algo que talvez pudesse ser precioso para ele, se soubesse do que se tratava. Naquela noite, depois que a fogueira apagou, ele se deitou no escuro, sozinho, fora do abrigo, e deixou que o frio atravessasse suas roupas e sua carne. Enfim, adormeceu, mas acordou à noite várias vezes, e forçou a vista diante da escuridão da noite sem estrelas" (p. 254).
***
John Edward Williams (1922-1994) nasceu em Clarksville, no Texas, Estados Unidos. Serviu na aviação militar americana durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1954, recebeu o título de doutor em Literatura Inglesa na Universidade do Missouri. Trabalhou como professor assistente de Literatura Inglesa na Universidade de Denver até sua aposentadoria, em 1985. Em Denver, também foi o editor fundador de uma revista literária,The Denver Quarterly. Publicou quatro livros:
"Nothing but the Night" (1948), "Butcher's Crossing" (1960), "Stoner" (1965) e Augustus (1972), que ganhou o National Book Award. Também publicou dois livros de poesia: "The Broken Landscape: Poems" (1949) e "The Necessary Lie" (1965).
*Recebi este livro como cortesia da Editora Rádio Londres.
*Recebi este livro como cortesia da Editora Rádio Londres.
2 comentários:
Achei bem diferente esse livro, já quero muito lê-lo.
Amo acompanhar seu blog, faz parte até do meu blogroll.
www.1blogsobrequalquercoisa.blogspot.com.br
Oi, Alanna!
Obrigada pelo carinho e por acompanhar minhas leituras, fico feliz!
Vou lá visitar seu blog :)
um beijo,
Pipa
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