domingo, 7 de agosto de 2016

Vidas Partidas


Felizinhas

Lembro de minha mãe com algodão nas narinas e 
sete furos abaixo do seio esquerdo. Ornamentais. 
E também lembro da minha avó roxinha, 
roxa que nem repolho, com uns ornamentos no pescoço. 
E me ensinaram que elas eram felizes. 
(Ana Elisa Ribeiro, Beijo, boa sorte, 2015, p. 17)


No dia em que a Lei Maria da Penha* completa 10 anos, decidi escrever sobre o filme Vidas Partidas, do diretor Marcos Schechtman, que estreou essa semana nos cinemas brasileiros. Inspirado nas muitas histórias de violência contra as mulheres que ainda hoje infelizmente são uma realidade, o filme conta a história de Graça, interpretada pela atriz Naura Schneider, uma bióloga de sucesso, casada e mãe de duas filhas. Graça é apaixonada pelo marido, Raul, interpretado pelo ator Domingos Montagner, e os dois vivem um relacionamento passional e abusivo. 

Ambientado no nordeste do Brasil nos anos 1980, o filme coloca em pauta uma questão essencial nos nossos dias: a violência doméstica que destrói a vida de mulheres no mundo inteiro e os problemas que as mulheres ainda enfrentam ao buscar ajuda em situações de violência, uma vez que a burocracia e a falta de preparo dos profissionais que prestam atendimento às vítimas, e também por parte da polícia, dificulta bastante as denúncias. 

A relação entre o casal é intensa e desde o início já percebemos os sinais de que é uma relação abusiva. Autoritário, ciumento, Raul age de forma a controlar tudo na rotina familiar, monitorando todo e qualquer contato que a esposa tenha, mesmo que seja com colegas de trabalho ou outros membros da família. Apresenta reações exageradas com as filhas e com a esposa e depois se arrepende, pedindo desculpas e trazendo presentes, algo comum nesses casos de violência e comportamento que ajuda a manter as mulheres presas aos ciclos de violência.

Os problemas vão aumentando quando Raul fica desempregado e Graça avança em sua carreira, recebendo prêmios pelo seu trabalho. No patriarcado, o sucesso e a independência das mulheres não é visto com bons olhos e a violência surge muitas vezes como forma de mantê-las "sob controle", em situação de inferioridade. 

Tentando ajudar Raul, Graça pede um favor a um ex-namorado, que consegue um emprego como professor na universidade para Raul. Quando começa a lecionar, Raul logo se envolve com as alunas e mantém trancadas em um quarto da casa todas as cartas que recebe de suas amantes. Ao mesmo tempo, Raul passa a agir com mais e mais violência, fazendo cenas de ciúmes no ambiente profissional de Graça, o que a prejudica bastante. A violência psicológica que já existia se intensifica e as agressões físicas começam. 

O mais interessante do filme é que ele mostra bem como os ciclos de violência ocorrem e como as mudanças de comportamento do agressor, que logo após ter agredido de forma violenta a esposa pede perdão e dá presentes e flores, ou age de forma amorosa com as filhas, mostrando ser um bom pai, são formas de manter a mulher presa ao ciclo de violência por pensar na manutenção da família. O que eu mais gostei, no entanto, foi o fato de Graça ter ido até o fim no processo judicial contra o agressor. Só lamentei que isso tenha demorado tanto para acontecer, pois cada dia de espera significa mais riscos para a mulher em situação violenta. É importante pensar também o impacto dessa violência para as crianças que vivem presenciando essa violência cometida pelo pai, o que muitas vezes também as transforma em vítimas.

É sem dúvida um filme que vale a pena ser visto pela discussão importante que ele traz nos dias de hoje e que pode ser muito informativo. Acho que é também um alerta para as mulheres que muitas vezes não sabem reconhecer que vivem em uma situação de violência porque somos ensinadas desde criança que o casamento significa posse (para os homens), sacrifício (por parte da mulher) e que é responsabilidade da mulher mantê-lo para preservar a família. Precisamos desconstruir essa ideia hoje e pelo futuro das próximas gerações. E precisamos conversar para reconhecer que violência dói e não é direito e que há formas de resistir e de lutar para que os agressores sejam punidos.

Recomendo a leitura:



Para assistir ao trailer:




*Lei diminuiu em 10% os assassinatos contra mulheres

Segundo dados de 2015 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a lei Maria da Penha contribuiu para uma diminuição de cerca de 10% na taxa de homicídios contra mulheres praticados dentro das residência das vítimas.

* E se vocês conhecerem outros filmes (e também livros, músicas) que falem sobre violência doméstica, compartilhem aqui nos comentários =]

2 comentários:

Conversa de Livro disse...

Eu já tinha visto o trailer desse filme no cinema, mas nunca mais vi nada falando dele. Irei procurar para assistir. O tema é mais que pertinente e atual, embora dolorido, mas é preciso falar sobre isso.

Um beijo!

Ilmara

Pipa disse...

Eu gostei bastante do filme, Ilmara! Acho que vale a pena ver.
beijo,
Pipa