quarta-feira, 13 de julho de 2016

O americano tranquilo



Publicado originalmente em 1955, O americano tranquilo, de Graham Greene, acaba de ganhar uma nova edição pela Biblioteca Azul, com tradução de Cássio de Arantes Leite. O romance, ambientado na Indochina no período de 1946 a 1954, já foi adaptado para o cinema e tem como tema central um triângulo amoroso nesse cenário de conflito.

Dividido em quatro partes, o romance retrata os conflitos morais de Thomas Fowler, um correspondente britânico em Saigon, durante a Guerra da Indochina, e um jovem americano idealista, Alden Pyle, enviado em uma missão secreta para o local. Os dois se conhecem por acaso e desenvolvem uma relação de amizade um tanto desequilibrada e movida em grande parte pela solidão que vivenciam nesse cenário de guerra. O jovem Pyle, idealista e romântico, vê em Thomas um amigo a quem deve lealdade, mas as coisas se complicam quando ele se encanta pela jovem Phuong, a amante vietnamita de Fowler, o que causará uma discórdia velada entre os dois.

O idealismo de Pyle incomoda Thomas, que passa a refletir sobre suas atitudes e posicionamentos a partir da convivência com Pyle, afinal, é através dos outros que passamos a conhecer melhor nós mesmos. 
A disputa entre os dois reverbera a disputa ideológica que passam a ter. Pyle representa um idealismo, por vezes cego, que pode causar destruição, ao passo que Fowler traz um olhar mais cético e crítico à toda violência da guerra. A princípio, ele tenta se isentar de qualquer participação em tudo que vê e deve retratar aos jornais ingleses, até se dar conta de que estar ali já o torna cúmplice de tudo o que vê e critica. Greene de certa forma antecipou nesse romance o papel que os Estados Unidos assumiria na Guerra do Vietnã (1959-1973), após a derrota da França e isso se vê principalmente no papel maior que Pyle começa a desenvolver no local. Os questionamentos morais que Thomas Fowler faz em relação à guerra, retratando como os soldados se sentiam naquele cenário de destruição, proporciona uma reflexão sobre o mal e a forma banal como ele prevalece, e os soldados se questionando sobre as mortes que estão causando e a mando (e em nome) de quem (e de quais ideais) são um contraponto interessante. Essa é sem dúvida a parte mais rica do romance, na crítica que faz ao modo como as ideologias podem corromper as pessoas e destruir as relações que estabelecem. 

Algo que merece ser comentado é a forma objetificada com que a personagem feminina é retratada. A jovem Phuong é um mero objeto de disputa entre os dois homens, destituída de opinião e sentimentos, que não compreende o inglês e fala pouco francês, ou seja, uma personagem que praticamente não tem voz. A preocupação da irmã de Phuong é casá-la com um estrangeiro que tenha dinheiro e que possa lhe dar alguma condição de vida. Thomas Fowler, que trata Phuong como alguém subserviente e sempre disposto a fazer e dizer o que ele quer, de repente se vê amaçado por esse jovem idealista que quer se casar com Phuong, mostrando que tem dinheiro e que pode assegurar o seu futuro. Apesar de demonstrar uma preocupação em relação ao possível destino de Phuong na prostituição se ali permanecer sozinha, a oferta de casamento de Pyle é mais um acordo do que uma relação movida por amor. Em determinado momento Fowler diz a Phuong: "Não tenho dinheiro algum guardado. Não posso cobrir o lance de Pyle". É quase um leilão.

"Beije-me, Phuong." Ela não fazia charme. Fez imediatamente o que pedi e continuou a contar o filme. Do mesmo modo, teria feito amor comigo na mesma hora se eu houvesse lhe pedido, tirando a calça sem perguntar nada, para, depois, retomar o fio da história de madame Bompierre e as desventuras do chefe do correio" (Greene, pág. 141)
"Observei-a atentamente conforme ela perguntava como eu estava e tocava a tala em minha perna, oferecendo o ombro para que me apoiasse, como se alguém pudesse se apoiar com segurança em uma planta tão jovem. Eu disse: "Estou feliz de estar em casa".
Ela disse que sentira minha falta, o que, é claro, era o que eu queria escutar: sempre me dizia o que eu queria escutar, como um cule respondendo perguntas, exceto por acidente. Agora eu esperava o acidente." (Greene, pág. 139-140)


Mesmo movido por um aparente sentimento de nobreza, que o próprio Thomas reconhece como sendo muito maior que ele próprio, Pyle é capaz de organizar um dos ataques ao centro da cidade, causando a morte de diversas mulheres e crianças. Ao mesmo tempo, assim que se encanta por Phuong, busca contar a verdade ao amigo para apaziguar-se de qualquer sentimento de traição. Procura manter-se firme em seus ideais, chegando até mesmo a salvar Thomas da morte durante uma explosão, o que gera em Thomas um conflito moral ainda maior, uma vez que mesmo assim ele não consegue deixar de se irritar com Pyle por querer tirar dele a garantia de não enfrentar uma velhice sozinho que Phuong representa.

É interessante a forma como Graham Greene narra essa história de modo a prender o leitor interessado em descobrir como tudo vai acabar, em um clima de suspense com ares de investigação policial. Mas é importante ter em mente que temos aqui a perspectiva social do homem branco e heterossexual, o que explica em grande parte a superficialidade das personagens femininas e o sexismo que ainda permeia muitas narrativas de guerra.

GREENE, Graham. O americano tranquilo. Trad. Cássio de Arantes Leite. São Paulo: Biblioteca Azul, 2016.

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O inglês Graham Greene teve uma formação ortodoxa em colégios no interior da Inglaterra, sempre se arriscando na vida literária – em poemas, artigos e contos. Como jornalista, viajou para vários lugares distantes de seu país – separados tanto pela geografia quanto pela cultura. Com passagens por países do oriente e da África, entre os anos 1950 e 1960, introduziu em seus romances um forte teor político. Recebeu inúmeros prêmios e hoje é considerado um dos autores mais importantes do romance moderno inglês.

*Recebi este livro como cortesia da editora Globo Livros.

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