segunda-feira, 2 de março de 2015

Até o fim

Nem sempre o enredo mais mirabolante é o que faz uma boa história. As histórias simples são, muitas vezes, aquelas que melhor permitem mostrar o talento e a sensibilidade do escritor, principalmente na caracterização dos personagens. Em Até o fim (Record, 2014, 308 p.), Anna Quindlen demonstra com maestria que consegue mesmo criar personagens tão verdadeiros e humanos que é impossível não nos afeiçoarmos a eles durante a leitura. Com um enredo simples, esse romance conta simplesmente a história de uma família aparentemente feliz. Casada com um oftalmologista bem sucedido, Mary Beth é uma paisagista, dona de casa e mãe em tempo integral. Sua filha mais velha, Ruby, está no último ano do colegial, se preparando para ir para a faculdade. É uma menina com personalidade forte, que quer ser escritora e já faz sucesso na revista literária da escola. Os dois filhos, Max e Alex, são irmãos gêmeos e tem personalidades opostas: enquanto um faz o estilo popular e é a estrela do time de futebol da escola, o outro é tímido e gosta de computadores e histórias em quadrinhos. 

Por trás do enredo aparentemente simples, Quindlen pouco a pouco nos mostra que as relações familiares e os sentimentos que delas derivam são um elemento rico para a literatura. Cada um dos membros dessa família é descrito pela protagonista, Mary Beth, que consegue ser imparcial e justa com cada um deles. Somos apresentados não apenas aos seus defeitos e problemas, mas às suas qualidades, ao que os torna especiais e únicos naquela família. Mary Beth é uma mãe de meia idade que está em crise: sentindo-se esmagada pela rotina exaustiva de uma mãe de família, apesar de amar os filhos e se preocupar com eles a todo o momento, ela também está se sentindo sozinha vendo o quanto eles ficam mais distantes dela à medida que crescem. Os problemas de comunicação que surgem entre pais e filhos nesse distanciamento entre as gerações é sentido não apenas por Mary Beth, mas também por seu marido, Glen. Os dois são pais amorosos e companheiros, tem um casamento considerado feliz, mas também já conseguem sentir os desgastes que o tempo naturalmente provoca em um casamento de muitos anos. As coisas não são mais ditas, simplesmente porque não precisam mais ser. O que por um lado demonstra uma grande cumplicidade, também pode mostrar uma acomodação e uma dificuldade de comunicação.

Na primeira parte do romance, somos apresentados a essa família, e a sensação é que estamos mesmo ali, dentro da casa, enquanto Mary Beth está na cozinha preparando o café e os gêmeos estão descendo as escadas correndo para ir para a escola. Quando nos damos conta, já estamos ali torcendo por cada um deles, vendo onde cada um está errando, mas sem deixar de ver o que cada um tem de bom. Torcemos por Max, que está deprimido e se sentindo "um estranho no ninho", para que os encontros com o psicólogo o façam compreender que tudo vai ficar bem e que, à sua maneira, ele também é especial. Torcemos por Ruby, para que ela consiga mesmo afastar um ex-namorado que não aceita o fim do namoro e não a deixa em paz. Torcemos por Alex, para que ele se aproxime do irmão e consiga se comunicar melhor com as pessoas que ama. Exatamente como se nós também fôssemos um membro da família. Mas, assim como Mary Beth, desde as primeiras páginas do romance, pressentimos que algo está errado, que algo vai acontecer. E acontece.

Acompanhamos então como essa família lidará com o evento trágico que a atinge, como farão para se reerguer. E nós sofremos junto com eles e por eles. É uma história triste, que nos emociona em diversos momentos, pois aborda questões que todos temos em comum. Sei que em algum ponto da história alguém vai se reconhecer em um dos personagens ou reconhecer algum familiar em um deles. Imaginar o que sentem é o desafio que a Anna Quindlen lança ao leitor. Mas em nenhum momento ela diz que será fácil.

Nesse sentido, Até o fim é um romance que explora muito bem os silêncios que podem passar despercebidos no cotidiano de uma família normal, assim como o que não é dito e os problemas que decorrem da falta de comunicação entre os membros de uma família. É um romance que nos faz pensar na família, no amor que sentimos por ela, mesmo com todas as imperfeições. Cada uma delas é o que nos faz ser o que somos. 

QUINDLEN, Anna. Até o fim. Rio de Janeiro: Record, 2014. 308 páginas. Tradução: Joana Faro

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