Vencedor do Prêmio Goncourt em 1975, A vida pela frente é um dos livros mais vendidos do século XX. Alguns anos depois, quando o autor faleceu, descobriram, em virtude de um documento deixado por ele, que Émile Ajar era na verdade um pseudônimo do já premiado autor Romain Gary, nascido na Lituânia e muito popular na França. O Prêmio Goncourt, que não pode ser concedido duas vezes ao mesmo escritor, nesse caso foi. Se os prêmios comprovam alguns talentos, pelo visto não podemos ter dúvidas sobre o talento de Romain Gary.
Apesar da fascinante história sobre sua autoria, o que mais nos cativa no livro é talvez a atualidade do seu enredo: a narração a partir da perspectiva de uma criança abandonada pelos pais, descobrindo o mundo ao seu redor nem sempre da forma mais suave; personagens que vivem à margem da sociedade como os imigrantes, as prostitutas, travestis, os pobres, os órfãos, os judeus e árabes na França da época; a humanidade das relações que surgem entre aqueles que são desprovidos de muitas coisas, sejam elas materiais ou não, e que se agarram a esses laços como uma forma de se conectarem à vida.
O narrador, Momo, é um garoto de dez anos de idade que vive sob os cuidados de uma senhora judia, Madame Rosa. Sobrevivente de Auschwitz, e mais tarde prostituta em Paris, agora por conta da idade avançada ela está aposentada e cuida de crianças diversas, em grande parte filhos de prostitutas e órfãos em seu apartamento, num bairro habitado por imigrantes ilegais, árabes, judeus e negros. Os tormentos do passado ainda assombram Madame Rosa, que vive num medo constante e mantendo uma espécie de abrigo no porão do prédio para alguma emergência. É nesse abrigo, chamado por Momo de buraco judeu, que às vezes ela encontra alguma paz durante a noite quando tem pesadelos.
O cuidado com as crianças acaba sendo também responsabilidade de Momo, a criança mais velha do grupo, que acaba por amadurecer cedo demais ao perceber a fragilidade da condição física, mental e emocional de Madame Rosa, por quem nutre verdadeiro afeto. Apesar da maturidade e da ternura que tem com todas as pessoas que conhece no bairro e que acabam por constituir sua família, Momo se sente sozinho e ainda sonha em um dia reencontrar a mãe, sobre quem nada sabe. É a ternura de Momo com os mais velhos a responsável pelas cenas mais bonitas deste romance.
Romain Gary consegue captar em A vida pela frente a nossa fragilidade diante da vida, ao mesmo tempo em que nos faz perceber que é impossível viver sem amor. São as relações humanas os laços que nos fazem continuar vivendo, apesar das dores e das perdas. Senti vontade de abraçar Momo diversas vezes nesse livro, que vejo um pouco como um romance de aprendizagem, no qual um garotinho nos ensina a olhar a vida de frente e viver, apesar de.
Espero que mais livros deste autor sejam publicados em breve por aqui.
AJAR, Émile (Romain Gary). A vida pela frente. Trad. André Telles. São Paulo: Todavia, 2019. 192 páginas.
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