sexta-feira, 17 de julho de 2015

A linguagem dos pássaros


Pequena novela de estrutura linear, A linguagem dos pássaros narra a história de Miguel e Marisa, duas crianças que se encontram quando tem 11 e 9 anos, respectivamente. Marisa acaba de se mudar com a mãe para a casa ao lado onde Miguel mora com o pai, um professor de filosofia que quer que o filho siga os seus passos. O universo da infância onde esta história de amor se inicia é permeado de histórias, sendo muito ligado à natureza e ao fantástico. Na solidão em que vive com a mãe na casa ao lado, Marisa acaba por encontrar na casa de Miguel, próxima ao mar, um lugar de acolhimento. 

Na adolescência, descobrem-se apaixonados, mas quando Miguel vai para a faculdade as separações constituem um período de grande sofrimento para Marisa, que não consegue nem mesmo escrever cartas para Miguel, como uma forma de protestar pelo abandono. Miguel, no entanto, conta nas cartas que frequentemente escreve para Marisa sobre suas novas vivências. Entre a faculdade e as viagens por diversos lugares do mundo que decide conhecer, há sempre um retorno, e Marisa é sempre aquela que espera a sua volta, certa de que o amor que sente por Miguel é capaz de unir os dois e apaziguar todos os problemas.

Quando retorna dessas muitas viagens que fez na tentativa de se encontrar, de descobrir quem é de verdade, Miguel decide se casar com Marisa. Mas mesmo o amor e o desejo que sentem um pelo outro não são capazes de apaziguar o coração de Miguel, que procura encontrar algo que nem mesmo ele sabe o que é. Miguel encarna o anjo atormentado, a sombra, aquele que busca a linguagem universal, a linguagem dos pássaros, nas diversas línguas que se dedica a aprender. Traduz textos clássicos, escreve poesia, estuda filosofia, mas a vida simples ao lado de Marisa já não lhe basta. Marisa não consegue entender "porque é que ele continuava a procurar... depois de ter encontrado" (p. 40). A obsessão pela unidade, pela alma gêmea, por esse outro eu que completa e ao mesmo tempo é sombra, se aproxima do sobrenatural no final do romance.

Ambientado no presente, mas sem nenhuma marcação de tempo, o livro é rico em referências literárias e artísticas, dialogando com outras artes como a pintura, a música e o cinema e tem como tema a fragilidade do amor e a impossibilidade humana de eternizar a paixão. A linguagem dos pássaros é um livro de grande força narrativa, leitura de um só fôlego, apesar da história aparentemente simples – mas isso é só aparência, pois há outros desdobramentos, como a questão do duplo, que podem ser mais explorados a partir dessa leitura.

"Não disseram mais nada. A escuridão rodeava-os, as sombras, o rumor das vagas, ao longe surgiram as primeiras estrelas, depois o céu ficou coberto delas, começaram a distinguir as constelações, eram as mesmas, eram sempre as mesmas, como eles eram os mesmos, tinham sido tudo desde o primeiro momento, pelo menos desde o primeiro momento em que se tinham encontrado, tudo o que lhes ia acontecer a seguir já existia então, e tudo o que aconteceria depois, e sempre, com eles tudo acontecia ao mesmo tempo. Ela fechou os olhos e deixou-se adormecer, tranquila, plena, no corpo dele, no mundo negro semeado de estrelas e pássaros" (p. 62)

PEREIRA, Ana Teresa. A linguagem dos pássaros. Lisboa: Relógio D'água Editores, 2001.

Ana Teresa Pereira nasceu em 1958 no Funchal, onde vive. Publicou o seu primeiro romance em 1989, intitulado Matar a Imagem, com o qual ganhou o Prêmio Caminho Policial. Publica regularmente desde o seu primeiro romance. Em 2012 conquistou o Grande Prêmio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE), com o romance O Lago.

2 comentários:

Maira disse...

Caramba, que lindo.
Adorei esse livro, pena que deve ser difícil encontrar aqui no Brasil. Já tem editora brasileira?

Pipa disse...

Maira,
esse eu comprei em Lisboa, mas acho que você pode encontrar os livros dela no site da Wook, no Brasil acho difícil.

beijo,
Pipa