Em A Hora da História, a escritora indiana Thrity Umrigar narra a história de Lakshmi, uma indiana de trinta e dois anos que mora há cinco anos nos Estados Unidos com o marido. Apesar do tempo, Lakshmi sente que não pertence ao lugar, não fala corretamente o idioma, sente saudades da família que ficou na Índia e, em profundo desespero e isolamento, tenta o suicídio.
A imagem que temos dessa personagem desde as primeiras páginas nos sensibiliza diante do seu sofrimento, afinal a sensação de inadequação e isolamento é comum entre os imigrantes - temática frequente nos romances de Umrigar. Ao mesmo tempo, consideramos os aspectos culturais da Índia que contribuem significativamente para reiterar a violência contra a mulher.
Após o casamento, quase sempre arranjado, as mulheres indianas passam a ser "propriedade" das famílias dos maridos (afinal, foram compradas com o dote pago por elas) e, assim como acontece com Lakshmi no romance, muitas vezes são proibidas de entrar em contato com a sua família, passando a ser uma mão de obra gratuita para as novas famílias às quais agora pertencem. Lakshmi trabalha noite e dia no restaurante do marido nos Estados Unidos, sem nada ganhar pelo seu trabalho, além de fazer todas as tarefas domésticas. Sem possuir nenhuma independência, ela, assim como muitas mulheres, vivem em situação de total subserviência e silenciamento.
Mas quando Lakshmi é levada para o hospital após a tentativa de suicídio, ela é atendida pela psicóloga Margaret, que logo percebe sua tristeza e solidão. Após algumas tentativas de conversa, a psicóloga e a paciente estabelecem uma comunicação e percebem que tem mais coisas em comum do que imaginam. Maggie, como passa a ser chamada, é casada com um intelectual e professor indiano que mora há anos nos EUA. Além de compreender algumas das tradições indianas por conta de seu próprio casamento, estranhas aos olhos dos estadunidenses, Maggie compreende a dor de Lakshmi por ter perdido a mãe tão cedo, algo que ainda é muito doloroso para ela mesma, assim como seu distanciamento da família, e acaba por oferecer sessões gratuitas para Lakshmi a partir daí.
A relação psicóloga-paciente passa a ser de amizade, e Maggie interfere bastante na vida de Lakshmi, pois percebe que ela precisa de ajuda (nesse aspecto, creio que os profissionais da área podem se incomodar um pouco com a representação que a autora faz dos psicólogos, uma vez que a distância necessária entre paciente e psicólogo é completamente desconstruída no romance). Contudo, é justamente essa ajuda que provoca uma grande transformação na vida da protagonista, que passa a assumir as rédeas do seu destino, a trabalhar e ganhar seu próprio dinheiro e a lutar por mais respeito (e também um pouco de amor) por parte do marido. Alguns segredos, posteriormente desvendados em muitas dessas conversas entre psicóloga e paciente acabam por tentar justificar a violência verbal que a protagonista sofreu do marido nesses cinco anos de casamento, o que me incomodou bastante. Quando perguntada pela terapeuta se ela sofria agressões do marido, Lakshimi, assim como muitas mulheres mundo afora, não reconhece os abusos verbais e psicológicos que sofria do marido, que, com palavras abusivas, durante muito tempo a fez acreditar-se incapaz e inferior, a ponto de pensar em suicídio, como sendo uma agressão. Nesse sentido, o mito de que a violência só ocorre fisicamente pode ser reforçado por essa história se o(a) leitor(a) não estiver atento(a).
Entre traições, confusões, segredos e muitas histórias sobre as suas vidas e memórias, essas duas personagens acabam descobrindo mais sobre si mesmas e sobre a vida do que jamais imaginaram que fossem descobrir. A narrativa de Thrity Umrigar fala sobre o poder das histórias de curar mágoas, de nos aproximar dos outros, mesmo que eles sejam tão diferentes de nós, além de possibilitar um diálogo com as nossas próprias memórias. Uma escrita que continua sendo muito envolvente, que nos faz pensar sobre a condição dos imigrantes e, principalmente, das mulheres, sempre torcendo para que as personagens reconheçam a força que possuem.
UMRIGAR, Thrity. A hora da história. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2015. Tradução: Amanda Orlando.
Recebi este livro como cortesia da Editora Globo Livros.
Um comentário:
Paula, gostei muito da sua resenha. O livro parece ser muito bonito e sensível. Achei bem interessante que mulheres tão diferentes tenham sentido tanta identificação uma com a outra. Parece que todas nós (mulheres), de uma forma ou outra, vivemos em uma espécie de prisão, não é?
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