quarta-feira, 27 de maio de 2015

Um poema de Manuel Bandeira

A Mário de Andrade Ausente

Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.

Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra.
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue,
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.

Mas agora não sinto a sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)

Você não morreu: ausentou-se.
Direi: Faz tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.

Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.

Manuel Bandeira. Estrela da vida inteira. 20 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

2 comentários:

Eduarda Sampaio disse...

Nossa, que poema lindo! E olhe que nem sou muito de poesia. Me lembrei de quando minha avó morreu. Nas primeiras vezes em que visitei a casa dela, olhava para a cadeira de balanço e pensava "ela só foi ali e já volta".

Pipa disse...

Obrigada por compartilhar a sua lembrança, Duda. Ela sintetiza muito desse poema.
um beijo,
Pipa