A Mário de Andrade Ausente
Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra.
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue,
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.
Mas agora não sinto a sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)
Você não morreu: ausentou-se.
Direi: Faz tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.
Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Manuel Bandeira. Estrela da vida inteira. 20 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
2 comentários:
Nossa, que poema lindo! E olhe que nem sou muito de poesia. Me lembrei de quando minha avó morreu. Nas primeiras vezes em que visitei a casa dela, olhava para a cadeira de balanço e pensava "ela só foi ali e já volta".
Obrigada por compartilhar a sua lembrança, Duda. Ela sintetiza muito desse poema.
um beijo,
Pipa
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