Manuel Guerra é um escritor de sucesso, bastante premiado, que precisa do silêncio para escrever. Durante sua vida, sempre se escondeu dos sentimentos e experiências verdadeiras com as quais não sabia lidar atrás de sua escrita, e da solidão que lhe era sempre tão necessária ao seu ofício. Foi um marido e um pai ausente, que agora sofre com as lembranças de sua esposa, que faleceu de câncer, e do seu filho, que se afastou por completo do pai quando a mãe fica doente, culpando-o por isso.
Dois personagens unidos e separados pelo silêncio, que se encontram para uma entrevista em um restaurante durante o almoço, e cujo encontro afetará bastante a vida dos dois, como se houvessem se reconhecido em sua solidão e na tristeza que tentam, a todo custo, ocultar.
Depois da entrevista, Sara decide ir a Israel com o pretexto de resolver um negócio de família, mas o que ela busca mesmo são suas raízes, sua origem, para quem sabe finalmente se encontrar. É chegado o momento de enfrentar o silêncio. Percorremos as ruas de Israel através da narrativa de Patrícia Reis, que nos conduz pelo passado e pelas tradições com a delicadeza de quem sabe pisar em território sagrado e cheio de emoções.
Manuel Guerra, logo depois da entrevista descobre que está com câncer e tem pouco tempo de vida, decide então ir para Amsterdam, sem data marcada para o regresso. Lá, aluga um apartamento em uma rua de prostituição, tem uma faxineira do Senegal e, certo de que já não há o que escrever, passa os dias em um café da rua, observando o acontecimento do lugar. É lá que conhece um garçom e uma prostituta, Martina, de quem se torna amigo. É com Martina que, pela primeira vez, Manuel consegue falar sobre o que sente, sobre a sua vida, sobre a dor de ter perdido a esposa, sobre a tristeza de estar longe do filho, sobre a proximidade da morte. São esses novos amigos, no lugar menos provável, que ensinarão a Manuel sobre a bondade, essa nova forma de ver a vida.
Para os dois personagens, a viagem aparece como essa possibilidade de autoconhecimento e aprendizado, como se só em movimento, longe de nossa zona de conforto, pudéssemos chegar ao melhor de nós. No caso do escritor, outro aspecto interessante é essa possibilidade de renascer em outro idioma, pois em Amsterdã ele passa a se comunicar em inglês e isso acaba por ser uma forma de ser outro, talvez alguém melhor.
Esta é certamente uma história de redenção, que nos faz pensar sobre a vida, na bondade que podemos encontrar onde menos esperamos, no tempo que faz planos diferentes dos nossos e, às vezes, passa rápido demais. Há um tom melancólico que nos aproxima dos personagens, bem construídos através de diálogos simples, mas cheios de profundidade. Um texto que emociona.
Patrícia Reis é jornalista, escritora e editora da Revista Egoísta em Portugal. Já publicou diversos livros, entre eles Morder-te o coração (Língua Geral, 2007 ), Amor em segunda mão (Língua Geral, 2006), Contracorpo (Dom Quixote) Antes de ser feliz (Dom Quixote, 2009) e Por este mundo acima (Leya, 2012).
REIS, Patrícia. No Silêncio de Deus. Lisboa: Dom Quixote, 2008.
E para quem se interessou pelo livro e quiser ouvir a própria autora falando um pouco sobre ele, clique aqui.
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