Quando recebeu a encomenda de proferir uma palestra sobre as mulheres e a ficção em duas faculdades frequentadas por mulheres dentro da Universidade de Cambridge, em 1928, Virginia Woolf fez uma reflexão sobre o que é necessário a uma mulher para que ela escreva ficção. Com seu estilo refinado e irônico, num texto cheio de digressões, Virginia deixa claro que, para escrever ficção ou poesia, uma mulher precisa de quinhentas libras por ano e um teto todo seu, de preferência, com tranca na porta. Um espaço que desde sempre foi negado às mulheres que, por conta disso, não puderam produzir tantas obras literárias como os homens sempre fizeram.
Refletindo sobre os espaços da Universidade permitidos aos homens e às mulheres e sobre a diferença nas refeições oferecidas em ambas, Virginia faz uma análise da conquista desse espaço, observando que os homens sempre cuidaram dos negócios e buscaram ganhar mais e mais dinheiro, tendo sido possível para eles investir muito na construção de Universidades para seus filhos. No caso das mulheres, a opressão do casamento e o fato de só bem mais tarde elas terem conquistado o direito de gerenciarem seu próprio dinheiro foram determinantes para que não tivessem acesso às mesmas estruturas, pois não herdaram de suas mães as mesmas condições que os filhos homens herdaram de seus pais. Cada espaço em uma universidade foi conquistado com muito custo e todas essas dificuldades interferiram significativamente em sua produção literária, já que ela depende diretamente do acesso à educação e ao conhecimento.
Na tentativa de compreender essa raiva que os homens demonstravam em relação às mulheres, claramente identificável pela violência, pela opressão e por diminuí-las diante de suas ações, Virginia busca na vasta literatura escrita por homens sobre as mulheres uma resposta plausível e, diante das mais absurdas afirmações que ela encontra nesses livros, a autora afirma que a raiva que os homens sentem em relação a qualquer crítica ou pensamento próprio vindos de uma mulher deve-se ao fato de que as mulheres são para os homens um espelho no qual eles se veem com o dobro do tamanho, o que sempre serviu para reafirmar sua confiança e autoestima, além de estimular significativamente seu pensamento criativo.
É possível que, quando o professor insistiu de forma um pouco enfática na inferioridade das mulheres, ele estivesse preocupado não com a inferioridade delas, mas com sua própria superioridade. (Woolf, 2014, p. 53)
Era um protesto contra a violação do poder de acreditar em si mesmo. As mulheres têm servido há séculos como espelhos, com poderes mágicos e deliciosos de refletir a figura do homem com o dobro de seu tamanho. (Woolf, 2014, p.54)
Analisando também alguns dos romances escritos por mulheres na literatura inglesa, ela observa que quase sempre as mulheres eram mostradas dentro de suas relações com os homens e poucas foram as que tentaram romper com o pré-estabelecido. Virginia reafirma sua tese sobre a necessidade das mulheres de ter um espaço todo seu e, principalmente, condições financeiras para sobreviver e poder escrever, pois a liberdade intelectual depende de coisas materiais (Woolf, 2014, pág. 151). A falta de registro sobre a vida dessas mulheres que escreveram no passado só demonstra o total anonimato e a ausência de condições propícias à produção intelectual. A autora comenta que, para qualquer artista, há dificuldades que precisam ser enfrentadas para produzir sua arte, sendo eles os mais suscetíveis às críticas ou à indiferença, mas que para as mulheres essas dificuldades foram infinitamente maiores. O desencorajamento que recebiam de seus próprios pais e a descrença em sua capacidade criativa por toda parte, inclusive de outras mulheres da época, sem dúvida afetaram a produção dessas escritoras.
Com as oportunidades surgidas após as guerras, as mulheres encontraram um pequeno espaço para ganhar algum dinheiro com sua escrita e também fazendo traduções. A partir do momento que foram remuneradas para isso, apesar de continuarem sendo bastante criticadas por sua vontade de escrever, elas deram os primeiros passos para garantir o direito de pensar por conta própria, de escrever sua história. A literatura, que Virginia descreve de forma bem poética, é o espaço de liberdade pelo qual se deve lutar:
A literatura está aberta a todos. Recuso-me a permitir que você, mesmo que seja um bedel, me negue o acesso ao gramado. Tranque as bibliotecas, se quiser; mas não há portões, nem fechaduras, nem cadeados com os quais você conseguirá trancar a liberdade do meu pensamento.
(Woolf, 2014, p. 109)
É enfatizando o esforço no pensamento próprio, e a atitude de se escrever como uma mulher, mas como uma mulher que se esquecera de que era mulher (Woolf, 2014, p.133) é que Virginia pede que as mulheres não desistam de lutar pelo seu espaço na literatura, em uma declaração de amor à leitura e sua capacidade de tornar o mundo um lugar melhor a partir do que lemos e pensamos. A autora deixa clara a necessidade de maior participação das mulheres não apenas na literatura, mas nas demais áreas do conhecimento, demonstrando que há uma escritora em nós, como houve em muitas mulheres que foram silenciadas por uma opressão patriarcal desde sempre, mas que depende do esforço de cada uma lutar para dar voz à sua história.
Tudo o que eu disser aqui sobre o encantamento que a escrita da Virginia Woolf causou em mim será pouco para dizer o quanto eu gostei desse livro, o quanto ele é essencial. Enquanto devorava as páginas de Um Teto Todo Seu eu me perguntava como era possível não ter lido este livro até agora. Como ninguém me obrigou a ler este livro? E é por isso que serei enfática na recomendação: parem o que quer que seja que estejam lendo e leiam Um teto todo seu. Há quase cem anos Virginia Woolf fez algo muito importante por todas nós, mulheres, numa das reflexões mais brilhantes que eu já li. Há no texto de Virginia Woolf uma paixão que nos sacode do lugar comum e desperta em nós a escritora que há muito tempo, desde o início dos tempos, foi sempre silenciada. Que este livro alcance mais e mais mulheres, é o que eu desejo de todo coração.
WOOLF,
Virginia. Um teto todo seu. São
Paulo: Tordesilhas, 2014. Tradução: Bia Nunes de Sousa.
8 comentários:
Oi, Paula!
Incrível como a gente adia a leitura de livros espetaculares, né? Obrigada pelo texto inspirador. Vou incluir já esse livro na minha lista deste ano. :)
bjo
Obrigada, Michelle! É um livro que eu realmente recomendo! Quero ler mais coisas da Virginia em breve!
beijo!
Pipa
Paula, seu texto ficou lindo demais!
Adorei a explicação da Virginia sobre o porquê de os homens serem violentos com as mulheres. Eu sempre pensei pela
ótica da mulher oprimida, mas nunca tinha pensado pela ótica do opressor. Exige maturidade manter a autoestima sem inferiorizar ninguém...
Um beijo e obrigada por ter falado tão bem sobre esse livro que com certeza lerei.
Toda vez que vejo uma resenha assim de mais um livro espetacular da Virginia, me pergunto não leio mais sua obra!!
Paula você doida para comprar esse livro!! Quero ler já :)
bjos
Eu sempre tive medo da Virginia, é verdade... Escolhi então começar a lê-la por seus contos, mas ainda assim o medo me rói as entranhas... Mas agora hei de vencê-lo e vou começar por esse aqui... ;o)
Xeeeros!
Paula, consegui esse livro faz alguns dias e fiquei me perguntando se teria feito uma boa escolha. Já que nunca li nada escrito pela autora e como seria um primeiro contato pensei que seria mais fácil optar por algum romance.
Mas depois de ler o que você escreveu, sinto que não poderia ter sido uma escolha melhor! Estará em breve dentre as minhas leituras.
Beijos!
Paula, consegui esse livro faz alguns dias e fiquei me perguntando se teria feito uma boa escolha. Já que nunca li nada escrito pela autora e como seria um primeiro contato pensei que seria mais fácil optar por algum romance.
Mas depois de ler o que você escreveu, sinto que não poderia ter sido uma escolha melhor! Estará em breve dentre as minhas leituras.
Beijos!
Oi, Fernanda!
Que bom que conseguiu o livro da Virginia para ler, eu realmente me encantei pela escrita dela. Espero que você goste!
um abraço,
Pipa
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