segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Algum amor

 


Como essa pandemia da covid 19 será retratada na literatura?  Que histórias serão contadas? Essas são perguntas que a crítica literária tem se feito. Todas as dificuldades que este momento tem gerado precisarão ser digeridas e a literatura certamente poderá nos ajudar nessa travessia. 

Ao ler o mais recente romance de Luiz Biajoni, encontro com uma surpresa boa, uma possibilidade. Primeiro romance que leio que traz como plano de fundo a pandemia do coronavírus, Algum amor foi um pequeno acalanto pela ternura que dele emana. Neste momento de tantas perdas, em que nos damos conta da nossa vulnerabilidade e finitude, as lembranças são frequentes e a nossa busca por algum amor, seja ele dos amigos e família, agora fisicamente mais distantes, seja o dos livros, da música, do cinema e da arte tem sido a nossa estratégia de sobrevivência. No romance, as memórias de um amor são esse acalanto, são elas que permanecem nos livros e discos que alguém amou em vida. Os objetos contam uma história de cada um.

No enredo, um jovem escritor lança um novo romance, que narra a sua história de amor com uma mulher mais velha e inesquecível, anos antes. Como uma espécie de relicário, ele busca por meio das palavras registrar essas lembranças, em retribuição a um amor que foi tão importante em sua vida.  Com o romance publicado em meio à pandemia da covid 19, ele faz uma visita a Stella, que já vivia em isolamento em seus sessenta anos de vida, para lhe entregar um exemplar do livro. As memórias de como tudo aconteceu, do encontro e da conversa sobre os livros que despertaram sempre o interesse dos dois, dos ensinamentos que teve com ela sobre música e sobre o mundo, são intercaladas com acontecimentos estranhos desse ano muito atípico de 2020. Metaficcional por dialogar com a crítica no próprio texto, refletindo sobre a tessitura do livro e as críticas pertinentes que dele surgirão, e também inventivo por narrar um romance autoficcional dentro da própria ficção, Algum amor mostra um escritor consciente do seu papel de observador do mundo, e alguém à vontade com o texto literário, buscando outras formas de brincar com a linguagem. Como em outros romances do autor, as referências musicais estão presentes, compondo uma bela trilha sonora que nos diz que é "preciso apreender as pessoas. e as canções." (p. 55)

Apesar de ter sentido falta de uma exploração mais profunda da história de amor entre Luiz e Stella, destaco a sutileza com que Biajoni elabora esta narrativa de amor, ainda que breve, trazendo um pouco de nostalgia e uma vontade de "quero mais" no leitor. Algum amor é um romance gostoso de ler, uma ótima pedida neste finalzinho de ano, e que nos toca pelo olhar sensível com que os personagens são caracterizados. Dá para sentir o afeto.

Luiz Biajoni. Algum amor. Guaratinguetá: Editora Penalux, 2020.

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