A vida é um sopro (Clarice Lispector)
A
frase de Clarice Lispector, “a vida é um sopro” passou muitas vezes pela minha
cabeça enquanto lia Coração e alma,
da escritora francesa Maylis de Kerangal. Em grande parte, isso se deve ao tema
do livro, que narra todo o processo de um transplante cardíaco em um grande
hospital da França, o que nos faz, inevitavelmente, pensar na efemeridade da
vida e, consequentemente, no que fazemos da vida que temos. Falar da morte e da
possibilidade de vida nos lembra da nossa humilde condição de mortais.
A
temática do livro pode, a princípio, parecer estranha e acho que é pouco comum
(pelo menos eu não me lembro de nenhum outro livro que fale do assunto), mas a
forma com que a autora conseguiu escrever essa história surpreende pelo ritmo
dado à narrativa, que tem uma velocidade e uma intensidade que conseguem
transmitir essa ideia de efêmero (somos instantes) e também da agilidade com
que esse processo de doação de órgãos precisa ser feito, literalmente correndo
contra o tempo.
Outro
ponto positivo do livro é, a meu ver, essa miríade de personagens, pessoas
comuns em seu dia a dia que autora consegue retratar, em sua dimensão humana,
complexa, cada uma vivendo seus dilemas, seus medos, sua solidão. Ao nos
apresentar a perspectiva de cada personagem, conseguimos nos colocar no lugar
do outro, pensar no que sente a família do futuro doador de órgãos, na tristeza
da perda e do luto que vivenciam e a dor de ter que lidar com essa decisão tão
imediata à morte; conseguimos também nos colocar no lugar dessas pessoas que
trabalham nos hospitais, dos médicos às enfermeiras, que trabalham um número
imenso de horas sob grande pressão para salvar vidas, ao mesmo tempo em que
lidam com a morte; e nos imaginamos no papel desses pacientes que precisam de
um transplante para seguir vivendo e tem uma vida repleta de angústia e espera
até encontrar (e se tiverem a sorte de encontrar) um doador compatível.
Coração
e alma é um livro bem diferente, que despertou em mim reações diferentes e por
vezes, contraditórias. É uma leitura intensa, para quem gosta de livros para
serem lidos de uma só vez e que desperta muitas reflexões. Repensei o tempo
todo a minha decisão sobre doação de órgãos – e para quem nunca parou para
pensar isso, esse romance é bem interessante para começar. Só por isso, acho
que já vale a leitura.
Por
fim, mas não menos importante, este é o primeiro livro escrito por uma autora
publicado pela Rádio Londres, editora independente de ficção internacional fundada
em 2015 e que tem publicado muitos autores inéditos no Brasil. Esperamos que
mais obras escritas por mulheres sejam publicadas pela editora.
KERANGAL, Maylis de. Coração e alma. Rio de Janeiro: Rádio Londres, 2017. Trad. Maria de Fátima Oliva do Couto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário