Ambientado na Irlanda do século XIX, Os bons amigos, da escritora australiana Hannah Kent, retrata a vida da época, seus costumes, superstições e tradições, em uma pequena vila no interior do país. O romance é baseado em fatos reais e a narrativa nos transporta para os anos 1825 e 1826, uma época em que as crenças e superstições tinham um grande poder no dia a dia das pequenas comunidades, que viviam em condições insalubres e sem muita informação. A medicina da época não era muito avançada e a figura de mulheres parteiras e conhecedoras do poder medicinal das ervas era muito presente na própria sobrevivência dessas comunidades. Nesse sentido, esse romance fala de crenças e das ligações ancestrais das mulheres com a natureza. Mas nada é tão simples assim.
Três personagens são centrais nessa narrativa: Nóra, uma mulher que acabou de ficar viúva e que recentemente também havia perdido a filha para uma doença misteriosa, ficando sozinha a cargo de cuidar de sua pequena fazenda e do neto, um menino de 4 anos que também estava muito doente, sem conseguir andar ou falar. A segunda personagem é Mary, uma menina de um vilarejo próximo e de família muito pobre, contratada por Nóra para ajudar nas tarefas da casa e nos cuidados com o neto doente. A terceira é Nance, uma senhora idosa que há anos chegara ao vilarejo e que vivia de doações em troca dos seus conhecimentos de ervas mediciais e outras superstições locais, quase sempre associadas à cura. Com a chegada do novo padre ao vilarejo, a vida de Nance fica cada vez mais difícil, uma vez que, buscando livrar a comunidade do paganismo dessas superstições e de aproximar os moradores um pouco mais da Igreja, ele passa a pregar contra os hábitos, associados à bruxaria, praticados por Nance.
A vida dessas três mulheres de idades diferentes se une em torno do pequeno Michaél, que retorna ao lar da avó após a morte da filha de Nóra. Para tristeza da avó, o menino está muito diferente do garoto saudável que era, com os membros deformados e sem conseguir falar ou andar. O médico consultado diz que não há mais nada a fazer em relação ao menino, a não ser se conformar com a sua nova condição de saúde. Mas Nóra, estimulada pelas conversas e lendas locais sobre os seres encantados que habitam a região e roubam as pessoas para outros mundos, deixando substitutos no lugar, procura Nance para resgatar o verdadeiro neto do mundo encantado.
Mantendo um clima de suspense ao longo de todo o romance, Hannah Kent consegue narrar com brilhantismo uma história que, como se sabe por pesquisas históricas feitas pela autora, relata um caso real ocorrido na Irlanda, e propõe com isso uma reflexão muito interessante e mais do que atual sobre o poder da crença e das superstições no trato das diferenças. Fiquei absolutamente encantada com a escrita da autora, tão cheia de lirismo e que manteve esta leitora aqui presa ao livro do início ao fim, tanto que Os bons amigos entrou para a minha singela lista de melhores leituras de 2017. Recomendadíssimo.
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Hannah Kent. Os bons amigos. São Paulo: Globo Livros, 2017. Trad. Celina Portocarrero.
*Recebi este livro como cortesia da Editora Globo Livros.
Um comentário:
que capa linda! esse eu não conhecia, vou adicionar a imensa lista, rs. boas festas, Pipa!
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