quarta-feira, 15 de novembro de 2017

[Adriana Lisboa]

Bastaria  


Bastaria
algum tempo sem vencimento
aberto como asas
onde não haja sorrisos úteis nem
papéis a endossar. Um vão
entre duas felicitações
contemporizações - por exemplo
(pensar em) margear
Buenos Aires: poetas
Bornéu: primatas
adentrar a ideia dessas coisas.
Bastaria um templo
o céu cobalto que me ignora
raízes varando paredes
menos do que residuais.
Bastaria subtrair: sem eventos
sem motivos
e como desde sempre soubemos,
bastaríamos nós.


Balão

O balão leva alguém
para uma volta ao mundo - é
o que você escolhe pensar, pés fincados
no cimento mole da manhã em que
todos os voos são imaginados
ou impossíveis, como o do balão
que brota do horizonte tal uma
pera invertida e cujas cores
mal se podem distinguir (mas você sabe
que as há, se as há sempre, se os balões são
animais do ar, da cor, do risco).
O balão sobre em seu perigo lento.
Daqui de baixo você sorri de sua própria
fantasia (é só um sujeito se divertindo
lá em cima numa manhã
de quarta-feira, só isso) e segue
em frente: uma vez pedestre,
sempre chão.

Promessa

O prato da casa
é a sobrevivência, então
não se preocupe. Não se preocupe.
Mesmo com todos os
estilhaços, a areia na garganta,
mesmo que eu tenha nos olhos
um cansaço de trincheiras,
mesmo assim, veja:
continuo de pé. Um joão-bobo,
um náufrago de pança inchada
subsistindo de sol a sol.

Adriana Lisboa. Parte da paisagem. São Paulo: Iluminuras, 2014.

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