terça-feira, 4 de agosto de 2015

Estação Atocha


O romance é narrado em primeira pessoa por Adam, um jovem poeta estadunidense que ganha uma bolsa de estudos em uma prestigiosa instituição para desenvolver um projeto de pesquisa em Madri sobre poetas espanhóis e seu papel na guerra civil espanhola. Mas Adam é um rapaz que não acredita em si mesmo, que não sabe o que quer da vida, e que está o tempo inteiro refletindo sobre as suas menores ações, buscando analisar o que os outros vão pensar a respeito dele, e se isso está de acordo com o que ele quer que os outros pensem, ainda que isso seja para ele uma grande representação. Nem ele mesmo sabe como conseguiu essa bolsa de estudos, se pouco sabe sobre seu próprio projeto de pesquisa e sabe pouco do idioma.
Usuário de drogas como maconha e haxixe, de medicamentos para depressão e ataques de pânico em altas dosagens, tudo isso associado a um grande consumo de álcool, fazem de Adam um ser caótico, que nada tem de herói. Ele usurpa não apenas versos que lê em outros livros, modificando-os para se apropriar da poesia de outros poetas, como também se apropria de histórias que outras pessoas lhe contam e depois as utiliza em outro contexto, numa tentativa bem desajeitada de criar uma narrativa de si mesmo um pouco mais interessante do que Adam acredita ser.
Durante a leitura, que se arrasta até quase a metade do livro e que depois ganha um pouco mais de ritmo, não consegui me identificar com o protagonista, nem consegui compreender por que dizem que é um romance engraçado. O que Adam quer da vida? Ser poeta? Se tornar um acadêmico? Casar e ter filhos? Ele não sabe e o livro trata basicamente disso, da falta de certeza sobre o que se quer fazer da vida e de como dessa forma Adam passa por ela sem sentir, nem o que escreve, nem o que se passa ao seu redor, sem estabelecer laços afetivos. Diante do atentado terrorista que ocorre em Madri na Estação Atocha que dá nome ao livro (e que é também título do poema "Leaving the Atocha Station" de John Ashbery, poeta muito lido por Adam durante todo o romance e sobre o qual o autor já escreveu ensaios), podemos situar no tempo o romance de Ben Lerner. Porém, Adam não consegue se envolver nem com os protestos políticos que tomam conta das ruas da cidade após a tragédia (o atentado ocorreu em março de 2005, matando mais de 200 pessoas e deixando muitos feridos, a maioria imigrantes), nem muito menos se solidarizar com tantas mortes de inocentes ocorridas a poucos metros do apartamento onde vivia. O egoísmo de Adam só faz com que ele pense nas chances que ele teve de ter morrido/sobrevivido.
O texto, em intenso fluxo de consciência, parece encenar as angústias desse jovem poeta diante da experiência artística, na busca por compreender se ele é mesmo digno de sua arte. Alguns leitores podem achar que este é um romance de formação, que ao final da história alguma transformação ocorreu em Adam. Outros, como ocorreu comigo, podem não ver transformação nenhuma nesse personagem que permanece imerso em si mesmo, nos seus pensamentos e concentrado em sua própria observação do mundo, descrente de seu papel enquanto artista ou cidadão. Duas possibilidades de interpretação sobre a transformação do personagem que deixam para o leitor essa reflexão sobre as intersecções entre arte e realidade na contemporaneidade.

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"Por muito tempo, eu convivera com a preocupação de ser incapaz de passar por uma profunda experiência artística e me custava acreditar que alguém mais fosse, pelo menos entre os meus conhecidos. Nutria profundo ceticismo a respeito das pessoas que alegavam que um poema ou uma música tinham "mudado a vida delas", especialmente porque, observando-as antes e depois dessa experiência, não conseguia detectar a menor mudança. Embora quisesse dar uma de poeta e apesar de ter ganhado minha bolsa de estudos na Espanha graças a meu suposto talento literário, eu só conseguia apreciar a beleza dos versos quando os encontrava citados em trechos de prosa, nos ensaios que os professores da faculdade me mandavam ler, com as barras substituindo as quebras de linha, de modo que o que me impressionava não era um poema em particular, mas o eco de uma possibilidade poética. O que realmente me interessava na arte era a desconexão entre a minha percepção das obras de arte físicas e as alegações feitas em nome delas. A sensação mais próxima de uma profunda experiência artística que eu tivera talvez tenha sido a vivência dessa desconexão, uma profunda experiência da ausência de profundidade". (p.9)

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LERNER, Ben. Estação Atocha. Rio de Janeiro: Rádio Londres, 2015.

Escolhi e recebi este livro como cortesia da Editora Rádio Londres.

3 comentários:

Gilberto Ortega Jr disse...

Me lembrou o personagem central - e sacal- do cidade aberta do escritor Teju Cole

Eduarda Sampaio disse...

Eu tive uma sensação parecida com a sua, Paula. Também não consegui me identificar muito com o Adam, exceto talvez na parte de me sentir uma fraude às vezes. Mas definitivamente nunca cheguei ao fundo do poço que ele chega, de copiar poemas dos outros, modificando apenas uma frase ou outra. Ele é outro nível de pessoa.
O final para mim foi ambíguo. Eu senti que o escritor quis dizer que o Adam só era uma fraude na cabeça dele, mas para mim ele torrou sim o dinheiro da bolsa a troca de nada.
Quanto ao humor do livro, eu dei risada em alguns momentos. A cena em que ele segue uma pessoa pelo museu tentando entender a emoção que ela está sentindo, as frases que ele decora para a mesa redonda, quando ele se perde e pergunta ao garçom onde é o hotel sem saber o nome do hotel e nem a rua.
Em geral concordo com você que o Adam é extremamente egoísta, mas fiquei pensando se esse distanciamento social dele não é fruto dos exageros químicos. Quando ele dobra a dose do remédio psiquiátrico, por exemplo, relata já não sentir quase nada.
Enfim, para mim é um livro sobre alienação, sobre desempenhar papeis sociais sem compreendê-los bem, sobre não saber como ser um adulto ou se conduzir no mundo.
Como todo romance de formação com um pé na biografia, ficamos sem entender muito bem o que o autor quis dizer com tudo isso... Não vi essa genialidade que as pessoas viram não, mas gostei das reflexões que o livro levanta.
P.S. Desculpa o comentário enorme, mas me empolguei com sua resenha! Risos.

Natália Calzado disse...

Já vi muita coisa sobre esse livro e ainda não consegui formar opinião. Não sei nem se eu quero ou não pegar ele pra ler. To achando que vou acabar comprando esse livro pra conseguir entender melhor meus sentimentos com ele haha

Beijos