"É um privilégio preparar o lugar
em que outra pessoa vai dormir."
Elizabeth Jolley
Antes de começar a falar do
enredo desta história, gostaria de falar um pouco de minha história com esse
romance. A primeira leitura ocorreu uns três anos atrás, logo que o livro foi lançado no Brasil, quando me deparei com
uma capa bonita, com flores singelas, e o título delicado que me fez pensar em
uma história bonita de amizade. A leitura, no entanto, não foi tudo o que eu
esperava naquele momento, o livro não me falou ao coração, fiquei perturbada
com aquela história. Tanto que me desfiz do livro em uma troca no skoob. Se não tivesse
sido por obrigação, talvez eu nunca o tivesse relido, mas estou feliz de que
isso tenha acontecido. Principalmente porque me mostrou que há um tempo certo
para ler cada livro e que o que sentimos em relação a um livro também muda junto
conosco.
Um quarto para ela de que fala o
título é o quarto que Helen, uma jornalista/escritora de 64 anos, que vive em Melbourne,
Austrália, prepara para receber sua amiga Nicola, que está com câncer. Nicola
vem de outra cidade (Sidney) para fazer um tratamento e pede para se hospedar na casa da
amiga por três semanas. Helen não fazia ideia do estado de Nicola até ela
chegar no aeroporto, pois a comunicação que mantinham por telefone e emails
ocultava muito da gravidade da situação. Muito debilitada, Nicola chega à casa
de Helen e conta dos tratamentos alternativos que vai fazer e que vão “expulsar”
o câncer de seu corpo. Tudo indica que os
médicos disseram a Nicola que não há mais nada que a medicina tradicional possa fazer para
combater o câncer, além de ajudá-la a controlar a dor que sente. Mas Nicola está
em negação e quer acreditar que tratamentos como o de uma clínica clandestina,
que na verdade está explorando as pessoas em sofrimento, irá salvá-la.
Helen faz todo o possível para
acomodar a amiga, recebendo-a com carinho, trocando as roupas de cama várias vezes durante a noite,
cozinhando, limpando, e também está exausta por conta das muitas noites sem
dormir. Cuidar de alguém doente é fisicamente e emocionalmente cansativo. Mas o mais desgastante para Helen tem sido
lidar com o sorriso falso de Nicola, a máscara de alegria que a amiga carrega
no rosto mesmo nos momentos mais terríveis da doença, fingindo que tudo vai
ficar bem, porque não consegue aceitar que a morte está próxima. Porque sente que
falhou por não ter tido a vida que a sociedade esperava dela: Nicola não se
casou, não teve filhos, foi sempre uma mulher feliz e independente, e que cultivou
muitos amigos. E com isso podemos pensar na violência desse discurso que oprime
as mulheres durante toda a vida, de que só são completas se casarem, se tiverem filhos, mesmo que tenham construído coisas muito importantes, mesmo que tenham, como Nicola, estabelecido relações de amizade que também são raras.
Entre a angústia de ver a amiga
sendo enganada por uma clínica fajuta, que explora pacientes terminais
dando-lhes uma falsa esperança, e a dificuldade de lidar com a negação de
Nicola, um amigo conta a Helen que talvez Nicola tenha vindo até sua casa
porque quer que ela seja a pessoa que lhe diga a verdade e que a ajude a aceitar a
doença.
Um quarto para ela é um livro
triste, alguns podem considerá-lo "pesado" porque é mesmo difícil falar da proximidade da morte e de uma
doença tão sofrida sem o ser. Na casa de Helen, que se enche de alegria e vida
com a netinha que lhe visita com frequência, o espaço passa a ser outro, mais
pesado e sombrio, espaço de alguém que se despede da vida e de sua própria história.
Helen sofre por não poder ajudar mais a amiga, que em sua fase de negação e
numa tentativa pouco eficaz de manter sua dignidade diante da dor, pouco pede
ajuda. São essas duas forças que estão em jogo na história, assim como acontece em nossas vidas.
Enquanto a presença da neta lhe traz nova força e energia, a presença da amiga
doente também dá a Helen uma maior consciência do envelhecimento do seu próprio
corpo e isso nunca é algo fácil de lidar.
Na primeira leitura que eu fiz,
anos atrás, creio que julguei demais a personagem e sua atitude no final perante
a amiga doente. Mas hoje, apesar de acreditar que eu faria diferente, se é que podemos prever como nos comportaremos em situações assim, passei a
compreender o que Helen nos conta sobre essa história, sobre seus próprios
limites, sem tentar julgá-la tanto. Apesar de perceber no livro uma dose de
culpa por sua decisão de não cuidar mais da amiga doente.
Apesar de ser um livro triste, é
um livro que faz pensar sobre a vida, sobre a morte, para a qual nunca estamos
preparados, e sobre a amizade e seu papel fundamental na vida das pessoas, às
vezes maior até do que a própria família. E é um livro que assume com coragem o
direito que todos temos de respeitar os nossos próprios limites em situações
difíceis. E como todo livro que fale sobre a morte, ele nos faz pensar o que
faríamos nessa mesma situação, tanto a de Nicola quanto a de Helen, fazendo-nos
pensar sobre o valor que temos dado à vida. Nesse sentido, é uma leitura que vale a pena, assim como creio que valeu a pena para a autora, que trouxe muito da sua própria experiência pessoal cuidando de uma amiga com câncer para essa narrativa..
GARNER, Helen. Um quarto para
ela. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
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