terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Dia bonito pra chover



Insurreição

Seria mais fácil não amar os pessegueiros macios
e nada sorver do seu perfume,
mas os meus dentes querem a carne do seu corpo,
minha língua deseja lamber do seu sumo.

O certo seria plantar a semente e esperar,
dos laços e nós dos caules finos,
aspergir-se o perfume da fruta vindoura.
Mas meu corpo tem pressa
e não respeita os relógios que inventam o tempo.

Minha natureza é temporã.
Eu sou das fêmeas que vão!
ficar é para quem tem raízes,
ceder é para quem deseja morada: eu sou o desabrigo.
Quero a fruta furtada do pé.
comer seu gosto ainda verde,
morder suas entranhas ainda duras.

Não sou das que esperam,
sou das que não querem nem chegar,
sou de partir e, no precipício, ainda ser silenciosa,
inteira.
Sou uma destas mulheres que vão.
ficar é raiz.
partir é imensidão.


Lívia Natália. Dia bonito pra chover. Rio de Janeiro: Editora Malê, 2017.


3 comentários:

Key disse...

A tua raça de aventura 
quis ter a terra, o céu, o mar. 

Na minha, há uma delícia obscura 
em não querer, em não ganhar... 

A tua raça quer partir, 
guerrear, sofrer, vencer, voltar. 

A minha, não quer ir nem vir. 
A minha raça quer passar. 

(Cecília Meireles)

Tita disse...

Pipa,
Não conhecia essa autora. Fiquei maravilhada!
Obrigada por esse presente!
Um carinho
Tita

Pipa disse...

Tita,
Gosto muito dos poemas dessa autora, vale mesmo a pena ir atrás dos livros, são lindos.
beijo grande e feliz ano novo pra ti.

beijo,
Pipa