sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Fim de Verão


Esta poderia ser a história de um verão qualquer, aquele que antecede a volta às aulas, que marca o fim de um período de descanso e de férias. Mas é a história do fim daquela inocência que marca a infância, aquela linha tênue que separa a infância da adolescência, quando passamos a ver o mundo com outros olhos.

Esta é a história de um menino de treze anos, Henry, que está deixando de ser criança e passando por todos os percalços da adolescência: as mudanças no corpo, os questionamentos, as descobertas. Henry vive com a mãe, Adele, uma mulher que ficou depressiva e se isolou do mundo depois da separação e de ter perdido um filho no parto, criando um mundo só dela e de Henry, seu único companheiro. O pai de Henry casou-se novamente, e tem um filho pequeno com uma nova mulher, mas Henry não se sente muito bem acolhido nessa nova família que o pai construiu para si. Nesse aspecto, ele é um garoto bem maduro, que cresceu conversando muito com a mãe, que às vezes se esquecia de que ele era só uma criança e acabava por contar histórias e compartilhar lembranças que o tornaram maduro um pouco mais cedo do que o normal, mas que fizeram dele um menino mais sensível ao sentimento dos outros. Henry não tem amigos na escola, não faz parte do time dos populares, e é um menino com bom coração, sentindo-se responsável por não deixar a mãe sozinha.

Um dia os dois estão no supermercado da cidade pequena onde moram, e um homem ferido na perna, com a roupa de um dos funcionários do supermercado, pede uma carona aos dois. O que pareceria insensato para qualquer pessoa (afinal, é bem estranho encontrar uma pessoa com a perna ferida no supermercado, não é?) é algo que não desperta a menor reação na mãe de Henry, que parece estar anestesiada pela tristeza constante que sente. O garoto, apesar de ver o homem roubando um boné do supermercado, simplesmente sente que pode confiar nesse homem estranho que acaba de conhecer. No carro, o homem pede abrigo por uns dias na casa de Adele, e a mãe aceita, só depois vindo a descobrir que ele é um fugitivo da penitenciária local. Cria-se um clima de suspense, mas não há violência. O texto de Joyce Maynard é bem sentimental e nesse ritmo a autora constrói uma história que nos envolve, pois é narrada através do olhar desse menino, mas que aguça nossa curiosidade para saber o que vai acontecer, sempre com o receio de algo muito ruim possa acontecer com aquela família. A dúvida se é mesmo uma história de amor, ou se é síndrome de Estocolmo passou pela minha cabeça durante a leitura, assim como a dúvida de se haverá um final feliz, mas aos poucos percebemos que é uma história de amor. 

Com essa história, a autora nos faz pensar nas injustiças e nos julgamentos que às vezes fazemos do outro, fazendo-nos lembrar que todo mundo tem uma história que merece ser ouvida, que às vezes estamos presos a uma situação que não desejamos, e que a atitude que temos com aqueles que estão ao nosso redor é o que realmente importa. 

Este é um dos livros que foram adaptados para o cinema esse ano: Refém da Paixão tem estréia prevista para 14 de março nos cinemas brasileiros e tem Kate Winslet no papel de Adele. A seguir, o trailer do filme, que já me deixou bastante curiosa:


*Uma curiosidade: a autora Joyce Maynard teve um relacionamento de 10 meses com o escritor J. D. Salinger (autor de O apanhador no campo de centeio) quando ele tinha 53 anos e ela, apenas 18. Salinger, conhecido pelo seu isolamento, terminou seu relacionamento com Maynard de forma abrupta, deixando-a devastada. Ela abandonou a faculdade para morar com ele durante esses 10 meses e depois nunca retomou os estudos. Já expôs muito de sua história pessoal no que escreve: seus distúrbios alimentares (mencionados no livro Fim de Verão na personagem da primeira namoradinha de Henry), os problemas de alcoolismo do pai, seu divórcio conturbado (talvez recontado no sofrimento da personagem Adele, em fim de verão).  Artigo em inglês sobre o relacionamento da autora com Salinger aqui.

Joyce Maynard. Fim de Verão. Rio de Janeiro: Rocco, 2010. 223 páginas. Tradução: Caroline Chang.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Sob uma estrela pequenina


Me desculpe o acaso por chamá-lo necessidade.
Me desculpe a necessidade se ainda assim me engano.
Que a felicidade não se ofenda por tomá-la como minha.
Que os mortos me perdoem por luzirem fracamente na memória.

Me desculpe o tempo pelo tanto de mundo ignorado por segundo.
Me desculpe o amor antigo por sentir o novo como primeiro.
Me perdoem, guerras distantes, por trazer flores para casa.
Me perdoem, feridas abertas, por espetar o dedo.
Me desculpem os que clamam das profundezas pelo disco de minuetos.

Me desculpe a gente nas estações pelo sono das cinco da manhã.
Sinto muito, esperança açulada, se às vezes me rio.
Sinto muito, desertos, se não lhes levo uma colher de água.
E você, falcão, há anos o mesmo, na mesma gaiola,
fitando sem movimento sempre o mesmo ponto,
me absolva, mesmo se você for um pássaro empalhado.
Me desculpe a árvore cortada pelas quatro pernas da mesa.
Me desculpem as grandes perguntas pelas respostas pequenas.

Verdade, não me dê excessiva atenção.
Seriedade, me mostre magnanimidade.
Ature, segredo de ser, se eu puxo os fios das suas vestes.
Não me acuse, alma, por tê-la raramente.
Me desculpe tudo, por não poder estar em toda parte.
Me desculpem todos, por não saber ser cada um e cada uma.

Sei que, enquanto viver, nada me justifica
já que barro o caminho para mim mesma.
Não me julgue má, fala, por tomar
emprestado palavras patéticas,
e depois me esforçar para fazê-las parecer leves.

Wislawa Szymborska. Poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. Tradução: Regina Przybycien.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A Chave de Casa



"Escrevo com as mão atadas. Na concretude imóvel do meu quarto, de onde não saio há longo tempo. Escrevo sem poder escrever e, por isso, escrevo. De resto, não saberia o que fazer com este corpo que desde a sua chegada ao mundo não consegue sair do lugar. Porque eu já nasci velha, numa cadeira de rodas, com as pernas enguiçadas, os braços ressequidos. Nasci com cheiro de terra úmida, o bafo de tempos antigos sobre o meu dorso. Falo de um peso que carrego nas costas, um peso que me endurece os ombros e me torce o pescoço, que me deixa dias a fio - às vezes um, dois meses -  com a cabeça na mesma posição. Um peso que não é de todo meu, pois já nasci com ele, como se toda vez em que digo "eu" estivesse dizendo "nós". Falo sempre na companhia desse sopro que me segue desde o primeiro dia.

Um sopro que me paralisa. Uma espécie de fardo. Pesado. Mais do que isso: bruto, acimentado, capaz de me tirar todas as possibilidades de movimento, amarrando as articulações uma à outra, colando todos os espaços vazios do meu corpo. Não que eu seja uma pessoa triste. Não se trata de ser ou não ser feliz, mas de uma herança que trago comigo e da qual quero me livrar. Nem que para isso tenha de correr riscos sem medida, nem que para isso tenha de me desfazer de tudo o que construí até hoje, de tudo o que acreditei ser a minha vida. Estou num ponto em que preciso mudar a direção do barco, ou então serei capturada pelo olhar de Medusa e me tornarei pedra, lançada ao mar. 

No entanto, as palavras ainda me escapam, a história ainda não existe. Enquanto os músculos pesam e permanecem, o sentido se esvai. Quem sabe aos poucos, quando conseguir dar os primeiros passos, quando conseguir me libertar do fardo, não consiga também dar nome às coisas? E por isso, só por isso escrevo."

Tatiana Salem Levy, na primeira página do livro "A Chave de Casa". Livro que te conquista na primeira página, como eu costumo dizer.

Why we broke up


"You either have the feeling or you don't"

"Toda separação começa com uma história de amor". Em "Por isso a gente acabou" (Why we broke up, 2012), Daniel Handler conta ao leitor detalhes dessa história de amor, desde o seu início, através de objetos que marcaram de alguma forma um momento entre os dois. Min e Ed são dois adolescentes que não tem absolutamente nada em comum: ela é apaixonada por filmes e sonha em ser diretora de cinema e ele é o jogador de basquete mais popular e bonito do colégio. Os dois se conhecem em uma festa, se apaixonam e passam um período juntos. Mas essa história não dura muito.


Min, sofrendo com a separação, decide então reunir todos esses objetos que foi guardando a cada encontro com Ed em uma caixa para devolver tudo a ele e explicar,  mais para si mesma do que para Ed, o que fez com que a história dos dois chegasse ao fim, e oficializar em seu coração essa ruptura. O livro é então uma espécie de carta para explicar cada objeto, um museu afetivo de lembranças da relação. 

O livro conta com ilustrações de Maira Kalman, que dá vida a esses objetos, recolhidos com a delicadeza de quem sabe o valor de uma lembrança assim. Pode ser um papel usado para rabiscar um desenho em cima da mesa durante uma conversa em um café, um elástico que prendia o cabelo dela quando ele preferia que o cabelo estivesse solto, uma camiseta emprestada, pequenos detalhes que passariam despercebidos, não fosse o olhar de uma moça apaixonada.

No Brasil, o livro foi publicado pela Companhia das Letras em 2012 (selo Seguinte, destinado a jovens adultos), com tradução de Érico Assis.

Para ler um trecho do livro em pdf, clique aqui.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Doidinho



Doidinho (1933) é o segundo livro da trilogia da cana de açúcar (formada por Menino de Engenho, Doidinho e Banguê), que aborda as três fases do personagem principal, Carlinhos: a infância, a adolescência e o início da maturidade. Menino de Engenho termina com a iniciação sexual de Carlinhos aos doze anos, quando logo em seguida ele deixa o engenho para ir estudar na cidade de Itabaiana. Doidinho começa com a chegada de Carlinhos, agora Carlos de Melo, no internato dirigido por um diretor rígido, que sempre punia os alunos com castigo físico, pelos mínimos motivos.

Ainda caracterizada pelo tom memorialista de José Lins, onde a solidão e a melancolia do menino Carlinhos continuam presentes, nesta narrativa um novo mundo de descobertas e relacionamentos surge para "doidinho", como Carlinhos passa a ser chamado no internato. Nesse lugar, uma miniatura do mundo real, vários temas são abordados: lealdade, amizade, injustiças, traição, sexo, religião, preconceito e a nova perspectiva que o menino passa a ter com os estudos, pois passa a compreender melhor o contexto social da época: "os livros começavam a me ensinar a ter pena dos pobres".

Em Doidinho a figura do senhor de engenho continua imponente, marcando o poder e o prestígio do patriarca na região. Carlos, que sofre um pouco para se acostumar com a vida no internato, passa a ser respeitado pelos colegas e até pelo diretor (por um período) por conta de uma visita  que seu avô, senhor de engenho, fez ao internato.

Enquanto no engenho havia a sinhá Totonha para povoar o imaginário das crianças com suas histórias, no internato havia o velho Coelho, descrito como "um narrador admirável, uma sinhá Totonha para os fatos comuns da vida", o que ressalta mais uma vez a importância das histórias no universo de José Lins.

Os livros foram responsáveis por descortinar o véu da ignorância que impedia Carlinhos de ver a dura realidade do engenho e, em vários momentos da narrativa,  podemos notar essa tomada de consciência:

"O dono da terra fez mal à menina. Só fez encher a barriga da pobre; nem deu um vintém para os panos do filho. E foi indo, e foi indo, até que levou o diabo." ..."O dono da terra fizera mal. Os pobres lhe pagavam este foro sinistro - a virgindade das filhas".

Quando Carlos volta para o engenho durante as férias, já observa a realidade dos moradores com outros olhos, notando, talvez pela primeira vez, que a vida para aquelas pessoas era muito difícil. Ele observa também a vida das mulheres no engenho, e comenta um pouco sobre religião, pois sua primeira confissão ao padre de Itabaiana provocou reflexões sobre o que de fato acontecia ali e o que era considerado pecado pela igreja:

"Ouvira contar a história de Teresa Beiçuda, uma Pompadour de São Miguel. Tio Juca, o irmão mais moço de meu avô, fazia-lhe filhos todos os anos. Uma vez, numa festa da padroeira, a mulata apareceu de chapéu na igreja. Foram dizer a tia Neném. Era um atrevimento da cabra. E quando saiu da missa, dois escravos lhe rasgaram o chapéu de plumas na porta da igreja, lhe arrancaram as anquinhas da moda. Todos aqueles senhores de engenho faziam o mesmo que tio Juca. E eram homens de têmpera, limpos de honra, de respeito. Parecia-me que o padre de Itabaiana aumentava as coisas. Não tinham eles oratórios em casa? Não faziam promessas, não davam tanto dinheiro para as igrejas? Logo, Deus não os teria assim debaixo de suas iras. O velho Zé Paulino quando morresse só podia ir para o céu."

Outro fato que vale a pena mencionar é o papel do cinema na época, que mudou a vida das pessoas e que trouxe informações novas e novas visões de mundo, não sem causar certo estranhamento, e demonstrando a como era a condição da mulher na época:

"O cinema já nos era um incitante sem o qual não podíamos passar. Levávamos a semana discutindo as fitas, comentando os enredos. Corrigiam-se atitudes, emendavam-se situações, aprendiam-se mesuras da sociedade. Havia mulheres tentadoras vestidas na última moda, bem diferentes das mulheres que víamos na vida. Tudo era diferente naquelas existências. Os homens tinham outros modos. As mulheres saíam de casa sozinhas. Viram uma, brigando com o marido, dizer-lhe com a maior simplicidade deste mundo: 'Vou para a América!", como tia Maria diria: "Vou para o sítio do seu Lucindo". A gente daqueles lugares era mesmo de outro planeta".

Uma leitura prazerosa, com representações ricas dos homens e do contexto social do período açucareiro no nordeste.

José Lins do Rego. Doidinho. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011. 47ª edição.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Maratona Literária


Foram 6 livros, 1430 páginas, 7 dias.

Acabei lendo outros livros que os previamente selecionados, mas isso não importa. Bom, pelo menos não pra mim, que faço questão de exercer meu direito de leitora: eu leio o que eu tenho vontade, a leitura deve ser sempre um prazer, e é sempre uma escolha de um momento. O que vale na maratona é ler bastante e mais do que se lê normalmente, e isso eu consegui. Gostei muito de participar da maratona, e de ver tanta gente envolvida na brincadeira, mostrando que ler é divertido, e que compartilhar leituras é ainda melhor.

Livros lidos:

1. Eleanor & Park - Rainbow Rowel - 336 páginas

2. Why we broke up - Daniel Handler - 368 páginas

3. Doidinho - José Lins do Rego - 254 páginas

4. O oceano no fim do caminho - Neil Gaiman - 208 páginas

5. Sinuca embaixo d'água - Carol Bensimon - 144 páginas

6. Noturno do Chile - Roberto Bolaño - 120 páginas

:O)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Eleanor & Park



Depois de ouvir tantos comentários em diversos canais estrangeiros sobre livros, fiquei curiosa para ler "Eleanor & Park", da escritora americana Rainbow Rowell. Não consigo me lembrar quando foi a última vez que eu li um livro para jovens adultos (young adult, YA) e de ter gostado tanto. A escrita de Rowell é muito gostosa e muito delicada, intercalando os pensamentos e sentimentos ora de Eleanor, ora de Park, dois adolescentes que estão enfrentando todos os dilemas típicos da adolescência: as dificuldades com os amigos na escola, os problemas familiares, sua autoafirmação e todas as delícias do primeiro amor.

Eleanor é uma ruiva gordinha que acaba de se mudar para a escola e logo no primeiro dia no ônibus começa a sofrer bullying da turma popular da escola. Park também não se dá muito bem com essa turma, mas consegue ficar mais afastado, e diante da cena de Eleanor constrangida em pleno ônibus, ouvindo todo tipo de gozação e sem ter um lugar para sentar, resolve ceder o lugar ao seu lado para ajudá-la, irritado por ela ter chamado a atenção do ônibus inteiro pelo jeito de se vestir. Com o passar dos dias, Park percebe que Eleanor está tentando ler também os quadrinhos que ele lê diariamente no trajeto casa-escola e silenciosamente começa a existir uma cumplicidade entre os dois, nessa leitura silenciosa de HQs. E depois disso passa a ser a música o que eles compartilham nesse trajeto, com Park gravando fitas cassetes (o livro se passa em 1986) para mostrar a Eleanor suas bandas favoritas. Através da leitura, da música e da identificação entre os dois, eles se apaixonam e temos o prazer de acompanhar cada descoberta desse amor tão inocente que ainda acredita que pode vencer o mundo.

Rowell aborda também temas mais sérios como a violência doméstica e o bullying na escola de uma forma sutil, mas que pode fazer os jovens repensarem essas questões com dois exemplos bonitos, que são Eleanor e Park. O livro também mostra a importância da família no crescimento dos jovens, como é o caso da família de Park, que o apóia mesmo nos momentos mais difíceis, através do diálogo, e da família de Eleanor, que tem diversos problemas, mostrando que é possível ser bom mesmo tendo passado por experiências de vida muito ruins. O livro é uma história de amor linda, escrita com muita delicadeza e que tem encantado corações ao redor do mundo. Uma leitura leve e despretensiosa para ler nas férias ou simplesmente quando o coração pedir uma história bonitinha e doce.

Rainbow Rowell. Eleanor & Park. London: Orion Books, 2012. 336 pages.

*Primeiro livro lido para a Maratona Literária 2.0 (13/01/2014)


domingo, 12 de janeiro de 2014

Maratona Literária 2.0


Então que, no último minuto, decido participar da Maratona Literária 2.0, que tem por objetivo incentivar a leitura e que está mobilizando diversos blogs do país inteiro. As regras são simples e cada participante cria a sua meta, que deve ser um pouco mais do que ele/ela lê normalmente. A maratona ocorrerá a partir de amanhã 13/01 até o dia 19/01 e está sendo organizada pelo blog Café com Blá Blá Blá (e outros).

A minha meta é ler:

O ventre da baleia - Javier Cercas (302 páginas)

A Pista de Gelo - Roberto Bolaño (197 páginas)

Doidinho - José Lins do Rego (254 páginas) (faz parte do meu Projeto José Lins)

At Bertram's Hotel - Agatha Christie (320 páginas)

Pretendo terminar também:

Eleanor & Park - Rainbow Rowel (336 páginas) que eu comecei hoje, estou adorando, e ainda tem umas 200 páginas pela frente.

Será que eu consigo?=)

Boa sorte para todos que estão participando e para quem quiser acompanhar as minhas leituras durante a maratona é só acessar o blog, o facebook, ou o Instagram.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A Casa dos Náufragos


"A Casa dos Náufragos", do escritor cubano Guillermo Rosales, é considerado um marco da literatura hispano-americana do século XX, apesar de seu reconhecimento tardio (decorrente da primeira tradução para o Inglês, que só ocorreu no ano 2000), sendo pouco conhecido até por estudiosos da literatura cubana. O livro conta a história do escrtitor William Figueras, um exilado cubano, internado pela família em uma instituição psiquiátrica nos Estados Unidos por sofrer alucinações auditivas episódicas. O asilo para onde foi levado é destinado a inválidos e incapacitados mentais, conhecidos como boarding homes.
E é nessa boarding home que o autor traça o processo de desumanização gradual dos seus personagens, que vão naufragando a cada dia, a cada página da história, na degradante miséria humana. Um lugar decrépito, sujo, violento, impróprio para se viver, que é administrado pelo proprietário, um burguês que rouba todo o dinheiro dos internos sem lhes oferecer o mínimo devido, e um zelador que comete todo o tipo de abusos com pessoas que não tem como se defender, ou que já não acreditam que possam se defender.

O narrador, que aparentemente está em posição privilegiada em relação aos outros detentos por não estar louco, acaba por aumentar seu sofrimento e sua angústia com isso, já que é testemunha do que acontece ao seu redor e tem consciência de sua própria decadência:

"Este é meu fim. Eu, que li Proust completo quando tinha quinze anos, Joyce, Miller, Sartre, Hemingway, Scott Fitzgerald, Albee, Ionesco, Beckett. Que vivi vinte anos dentro de uma revolução sendo carrasco, testemunha, vítima". 

Temos no livro um personagem que se situa no presente como um náufrago, que nem pertence ao território em que habita, nem sente falta do que abandonou: "Não sou um exilado político, sou um exilado total". A narrativa rápida, intensa, porém precisa, faz com que o leitor sinta essa mesma angústia, essa mesma desesperança. No dizer de Ivette Leyva Martínez, autora do posfácio que acompanha o livro: "é uma viagem aos rincões mais sombrios da condição humana, e poucos permanecerão indiferentes a essa visão. Humilhações, sujeira, fedor e abusos físicos constituem o cenário onde o protagonista passa seus dias." (pág. 106). Mais que um livro sobre o exílio, A Casa dos Náufragos é um livro sobre a desumanização de pessoas com problemas mentais, e também sobre a crueldade de quem ainda explora essa situação.

Este é um romance de forte viés autobiográfico pois o escritor Guillermo Rosalles também deixou Havana e mudou-se para Miami em 1979, onde permaneceu até sua morte, em 1993. Participou do círculo de intelectuais cubanos que se transferiu para os Estados Unidos na mesma época, tendo sido premiado com o voto de Octavio Paz em um concurso literário local, uma de suas poucas alegriaa. Destruiu a maior parte de sua obra, e em vida só publicou este único romance, A casa dos náufragos, em 1987.  Esteve internado em diversas instituições psiquiátricas, asilos (as chamadas boarding homes) em Miami, pois sofria de esquizofrenia. Morreu aos 47 anos, pobre, sozinho e esquecido, visitado apenas por poucos amigos, que acompanharam seu processo de destruição até os últimos dias. Um daqueles livros realmente angustiantes.

Guillermo Rosales. A casa dos náufragos. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 125 páginas. Tradução: Eduardo Brandão.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

poema das árvores e da aprendizagem

poema das árvores e da aprendizagem

tudo o que as árvores fazem é pensar. ficam generosas à espera de chegar a uma conclusão. e se morrem, não é absoluto que tenham tido resposta. deram sombra, pássaro, fruto e vento, mas podem partir quietas, como quem tomba para dentro de si mesmo, com felicidade pelo que já passou e nenhuma mágoa, só a aceitação sábia do tempo

[pág. 155]

Valter Hugo Mãe. Contabilidade - poesia 1996-2010. Lisboa: Editora Objetiva, 2010. 294 páginas.


segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Menino de Engenho


Segunda leitura do Projeto José Lins, "Menino de Engenho" é um dos clássicos da literatura brasileira e um dos livros mais importantes da obra de José Lins do Rego. Foi escrito em 1932 e sua primeira edição foi publicada pelo próprio autor, que com ela ganhou o Prêmio Graça Aranha e depois isso não parou mais de ter seus livros publicados.

É importante tomar conhecimento de alguns dados sobre a vida de José Lins para ver com outros olhos os seus livros. José Lins nasceu em 3 de junho de 1901 no engenho Corredor, município do Pilar, no estado da Paraíba. No ano do seu nascimento ficou órfão de mãe e seu pai foi viver em outro engenho. Foi levado então para o engenho do avô, onde cresceu aos cuidados de sua tia Maria. A experiência de ter crescido no engenho, com a figura patriarcal do avô, aos cuidados de sua tia, que ele considerava uma segunda mãe, marcaram para sempre a vida de José Lins, e isso se reflete muito em sua obra.

Em Menino de Engenho temos a história de Carlinhos, que perdeu sua mãe quando era criança em uma briga com o pai, que cometeu um crime passional, cujos motivos não são explicados. O menino Carlinhos é levado então para o engenho do avô, onde cresce junto com os moleques da região, aos cuidados da irmã de sua mãe, sua tia Maria. Carlinhos é tratado com distinção por ser neto do coronel e também por ser órfão. Através de suas lembranças de infância, de uma época em que descobria muito cedo as coisas do mundo, sempre marcado pela melancolia de ter perdido a mãe e de estar sozinho, é que temos um retrato social de uma época ainda marcada pela escravatura, pela dominação dos senhores de engenho.

Carlinhos cresce entre as negras que trabalhavam na senzala, mesmo depois da abolição. Nesse sentido, o livro mostra claramente com os negros continuaram a ser explorados por não terem oportunidade de sair dali. Como podemos ver nesses trechos sobre as negras do engenho, um relato triste sobre a condição da mulher e sobre os abusos que sofriam muitas vezes dos próprios senhores e seus filhos, e dos homens do engenho:

"As suas filhas e netas iam-lhes sucedendo na servidão, com o mesmo amor à casa-grande e a mesma passividade de bons animais domésticos".
"Não conheci marido de nenhuma, e no entanto viviam de barriga enorme, perpetuando a espécie sem previdência e sem medo".

O menino de engenho cresce ouvindo histórias, como as da velha Totônia, uma negra que visitava o engenho e que teve um papel importante em estimular o gosto pelas histórias em Carlinhos:

"As suas histórias para mim valiam tudo"...."Havia sempre rei e rainha, nos seus contos, e forca e adivinhações. E muito da vida, com suas maldades e as suas grandezas, a gente encontrava naqueles heróis e naqueles intrigantes, que eram sempre castigados com mortes horríveis. O que fazia a velha Totônia mais curiosa era a cor local que ela punha nos seus descritivos."

Histórias que marcaram tanto sua vida que precisaram ser recontadas em Histórias da Velha Totônia, livro de 1936. As histórias do avô sobre o engenho também marcaram a infância de Carlinhos e ajudam a construir esse relato da época dos engenhos de açúcar, que no período já começam a dar sinais de decadência. 

"Estas histórias do meu avô me prendiam a atenção de um modo bem diferente daquelas da velha Totonha. Não apelavam para a minha imaginação, para o fantástico. Não tinham a solução milagrosa das outras. Puros fatos diversos, mas que se gravavam na minha memória como incidentes que eu tivesse assistido. Era uma obra de cronista bulindo de realidade."

A escrita de José Lins tem um tom de nostalgia, uma característica também do menino Carlinhos:

"Era um menino triste. Gostava de saltar com os meus primos e fazer tudo o que eles faziam. Metia-me com os moleques por toda parte. Mas, no fundo, era um menino triste. Às vezes dava para pensar comigo mesmo, e solitário andava por debaixo das árvores da horta, ouvindo sozinho a cantoria dos pássaros."

Acompanhamos suas aventuras no dia a dia da produção de açúcar, seu primeiro amor por uma prima que passa o verão no engenho e que parte seu coração quando vai embora, tudo isso contado com a ingenuidade de uma olhar de criança; seu sofrimento é retratado quando a tia Maria se casa e vai embora do engenho, marcando sua vida outra vez com a perda de uma mãe (e pelos artigos que li, a morte da tia de José Lins o deixou muito abalado na vida real). O casamento da tia mostra também como as mulheres não tinham a liberdade de escolha, sendo que seu único destino era o casamento.

Esse livro é uma aula de história do Brasil, mas uma aula muito gostosa de se ler, porque a escrita de José Lins tem esse tom confessional, como se estivéssemos mesmo ouvindo suas memórias de infância. Infância essa que acaba muito cedo, aos doze anos de idade quando o menino Carlinhos vai para o colégio estudar. Menino de Engenho é um livro comovente, que permite uma infinidade de reflexões sobre questões sociais importantes de uma época de nossa história. Relê-lo hoje, quase 18 dezoito anos depois de minha primeira leitura ainda na escola, foi uma redescoberta maravilhosa de um texto bem escrito, repleto de regionalismos e muito rico, que eu espero que ainda seja lido nas escolas. Não deixem de ler Menino de Engenho.

José Lins do Rego. Menino de Engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. 104ª edição. 

domingo, 5 de janeiro de 2014

The Library of Unrequited Love


"Love, for me, is something I find in books. I read a lot, it's comforting. 
You're never alone if you live surrounded by books."

Qualquer livro que fala do amor aos livros atrairá sempre quem gosta de ler. Ainda mais com uma capa bonitinha assim. Com 'The Library of Unrequited Love' (A biblioteca do amor não correspondido, tradução minha) não foi diferente.
A história, na verdade, é um monólogo de uma bibliotecária que chega pela manhã na biblioteca onde trabalha e percebe que um dos leitores ficou trancado na biblioteca durante a noite, sem que fosse visto. Ao encontrá-lo, a bibliotecária discorre sobre seu trabalho, sobre a classificação de Dewey e sobre seu amor platônico por um dos leitores que frequentam a biblioteca, além de falar sobre história, literatura e a vida no dia a dia de uma biblioteca. O livro tem que ser lido de um fôlego só, pois é assim que é escrito. Então imaginem ouvir uma mulher falando sem parar por quase cem páginas. Ainda que alguns comentários sejam engraçados e que encontremos algumas frases lindas sobre os livros e a leitura, sobre a importância dos bibliotecários na formação de leitores, o texto tem um fluxo muito intenso e isso pode tornar o livro um pouco cansativo. Cadê aquela pausa para respirar um pouquinho, tomar um café? Nesse aspecto, foi um pouco decepcionante. Mas, ao que o livro se propõe, ser uma leitura rápida e divertida, acho que ele consegue ser uma opção para dar aquela pausa entre livros, desde que não se tenha uma grande expectativa em relação à história. Afinal, é apenas um monólogo de uma leitora apaixonada sobre a vida silenciosa em uma biblioteca.

"Book and reader, if they meet up at the right moment in a person's life, it can make sparks fly, set you alight, change your life".

Sophie Divry. The Library of Unrequited Love. UK: Maclehose Press, 2013. Ainda sem tradução em português.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Aquela água toda


Pequenos fragmentos de um cotidiano simples, que talvez passassem despercebidos por muitos, são capturados pelo olhar sensível de João Anzanello Carrascoza e ganham uma nova dimensão por sua prosa tão poética e delicada. Os onze contos reunidos em Aquela água toda narram experiências que são um misto de memória afetiva e nostalgia, e falam de um primeiro amor, de uma primeira decepção com um amigo na escola, do reencontro de um menino com o mar e de como ele se encanta por sua imensidão; de situações comuns em família ou apenas através do olhar de uma criança descobrindo o mundo. Um simples acordar em um dia de domingo em família se transforma em poesia e em reflexão.

Apesar de fazer parte do catálogo juvenil da Cosac Naify, acredito que este livro também pode agradar aos adultos, porque é bem gostoso de ler, os textos são curtos mas muito delicados, e relembrar um pouco dessa inocência inicial nunca fez mal a ninguém. Vale a pena mencionar também as ilustrações lindas de Leya Mira Brander, que dão vida à poesia do texto de Carrascoza e que me fizeram desejar a edição impressa do livro. As minhas favoritas são essas aqui:















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João Anzanello Carrascoza. Aquela água toda. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Histórias da Velha Totônia


Para dar início ao Projeto José Lins, decidi começar pela leitura de seu livro infantil "Histórias da Velha Totônia", que foi escrito em 1936 e, por ordem cronológica de publicação, deveria ser o quinto livro a ser lido. No entanto, por ser destinado ao público infantil, optei por começar o projeto com ele e, na sequência, ler os 12 romances escritos por José Lins, que publicou praticamente um livro por ano desde 1932.

José Lins dedicou seu livro infantil para suas filhas, mas também para "os meninos do Brasil" dizendo: "quisera que todos eles me ouvissem com a ansiedade e o prazer com que eu escutava a velha Totônia do meu engenho". Um traço muito característico da escrita de José Lins é a memória. Todas as histórias que ele recriou em seus romances foram fruto de suas memórias de infância no engenho do avô. E é através das histórias desse livro que José Lins tenta compartilhar com as crianças o prazer que sentia sempre que esperava ansiosamente para ouvir a velha Totônia, "que era bem velha e bem magra", e que visitava o engenho e alegrava as crianças com suas histórias. Esse livro não deixa de ser também uma homenagem a todas as contadoras de histórias que alimentaram e alimentam a imaginação de milhares de crianças Brasil afora.

Nas quatro histórias reunidas nesse livro (O macaco mágico, A cobra que era uma princesa, O príncipe pequeno, O sargento verde), está presente a temática tradicional dos contos de fadas, com a luta entre o bem e o mal, sendo que o bem sempre vence. Há também um pouco de magia, com personagens encantadas que vencerão porque são bons. É possível identificar traços de histórias da tradição oral europeia em cada uma das histórias, que aqui tem ambientação brasileira e são contadas numa linguagem coloquial, cheia de regionalismos, característica da escrita de José Lins. A edição conta também com ilustrações de Tomás Santa Rosa, que ilustrou a primeira edição dos seus livros.

Foi gostoso descobrir essas histórias e gostei principalmente porque todas elas tem uma lição que valoriza a bondade, a gratidão, o ajudar o próximo, deixando um bom ensinamento para as crianças. E eu, que adorava os contos de fadas quando era criança, só lamentei não ter lido as histórias da velha Totônia quando era menina.

José Lins do Rego. Histórias da Velha Totônia. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010. 32ª edição.